Dr. Seuss, o popular da escola

 

O popular da sala. Aquele amigo divertido, com sua excentricidade espirituosa, capacidade de observação e carisma. Um cara que circula em todos os grupos, sem ter que pertencer a nenhum. É o colega que encanta, aquele que você quer ter por perto. Sabe quem ele é?

Dr. Seuss, apelido do escritor, pintor e cartunista americano Theodor Seuss Geisel (1904-1991). É assim que a poeta Bruna Beber apresentaria a uma criança o renomado autor, dono de versos cheios de ritmo, sonoridade e nonsense. É que ela anda bem próxima, digamos, quase íntima, do escritor: acaba de traduzir um de seus sucessos, O Lórax, e está dedicada à tradução de outras obras do poeta para o português.

Lórax é o ser baixinho, meio velhinho, marrom-clarinho e musgosinho que dá nome ao livro. Defensor da floresta, ele tenta salvar as trufulárvores da destruição, em uma história com uma linguagem poética, extremamente sonora. “É um livro antipoluição e antiganância”, definiria Dr. Seuss, depois da obra ter conquistado diversos inimigos nos Estados Unidos, incluindo as madeireiras do país.

A tradutora, autora de livros como balés (Língua Geral, 2009), rapapés & apupos (7letras, 2012), Rua da padaria (Record, 2013) e Zebrosinha (Galerinha Record, 2013), conta que a obra escrita em 1947 tem um tom profético. “O mote principal é, sim, uma ânsia humana sabida, a cobiça, um pecado capital, e é a partir daí que vem a crítica ambiental. Mas é muito mais desdobrável do que isso, além de ser muito divertido. Para compreender O Lórax, é preciso ler e reler, com cuidado, para se deixar amplificar por ele”, explica a poeta.

No bate-papo a seguir, ela fala dos desafios da tradução, das versões cinematográficas da obra de Dr. Seuss e da grandiosidade do autor.

 

 

Pra você, traduzir é...

Bruna Beber – Um exercício, sempre, verbal e plástico. Quando estou traduzindo, imagino que estou fazendo uma escultura, detalhe por detalhe, pois é uma tentativa de recriar algo que, originalmente, não foi escrito por mim. E a voz de um bom autor, como o Dr. Seuss, é complexa, há muitos elementos a serem observados e levados em conta.

E é diferente traduzir para o público adulto e para crianças?

Bruna Beber – Completamente diferente. Eu acho mais desafiador traduzir para crianças, sobretudo poesia, falar com elas de igual para igual, apresentando novos mundo. O jogo, a rima, o ritmo, a forma, o contexto histórico e o conjunto que se forma com as ilustrações do livro desaguam em particularidades muito pontuais.

Este é seu primeiro trabalho de tradução para crianças? Como foi a experiência?

Bruna Beber – Não, eu já havia realizado outros trabalhos, mas nunca tinha me aventurado pelo universo fantástico do Dr. Seuss. Tem sido uma experiência instigante, e na qual eu me divirto muito.

Até onde vai a fidelidade do tradutor ao autor?

Bruna Beber – Tento ser bastante fiel aos autores que traduzo. Às vezes, sou até chata demais, mas é porque estou atrás da voz, e isso se constrói à medida que traduzo mais livros de um mesmo autor, como o Dr. Seuss. Mas, na tarefa da tradução, tenho que me dar liberdades, fazer concessões a mim e ao autor. É um troca diária, e no processo de edição com as editoras que tocam os livros, eu aprendo mais sobre como falar com as crianças, tendo em conta as faixas etárias de cada livro, a partir do que suponho que o autor pensou originalmente. Entretanto, o que ele pensou, de fato, eu nunca vou saber, então vou tateando as pistas que ele me dá como uma formiga. Tem muito de obstinação, doação e vontade.

Considerando que diferentes culturas são repletas de símbolos característicos, qual é o processo para a reconstrução de uma imagem em sua língua original na língua portuguesa? Pode dar exemplos?

Bruna Beber – O cuidado é imenso, tento readequar os símbolos para o contexto brasileiro atemporal. E isso reduz minhas possibilidades, mas também retarda o envelhecimento da tradução de um verso/livro.  

Quais são os desafios em traduzir um clássico da literatura norte-americana como o Dr. Seuss, que traz muitos aspectos da cultura de seu país? Como trazer seus versos para as crianças brasileiras?

Bruna Beber – O Dr. Seuss inventou muitas palavras. Há muitos fóruns de discussão e dicionários criados por leitores, pesquisadores e tradutores sobre as palavras que ele inventou. Grande parte delas virou gíria em inglês, porque muitos americanos cresceram lendo seus livros. Então, se ele se deu a liberdade de criar palavras (que bom que ele fez isso), eu me sinto totalmente livre para criar as minhas, sem amarras, ao traduzir suas obras, levando em conta a etimologia, seus múltiplos significados e as imagens que as acompanham. Nas minhas traduções, eu tentei abrir ao máximo novos campos de experimentação verbal, a partir do universo imaginativo do Dr. Seuss. 

Dr. Seuss é um poeta que cria palavras novas. Pode dar exemplos de palavras/termos que foram muito desafiadores no processo de tradução?

Bruna Beber – Essa é a melhor parte. É um mundo maravilhoso e, a meu ver, tão comum às crianças: inventar novas palavras. E inventar novas palavras é inventar novos mundos. Essa é a principal “permissão” dada pelo Dr. Seuss. Por exemplo, em O Lórax, existe uma palavra que é a chave de todo o livro, pois faz uma crítica ao consumo desenfreado. Ele criou uma peça de vestuário que serve para tudo e para nada, e a chamou de “Thneed”. Depois de muito matutar, cheguei a “Nãocessidade” e “Nemcessidade”. A primeira ganhou. Mas, só nesse livro, acredito que eu tenha recriado pelo menos umas quinze palavras inventadas. 

Você usa muitas palavras inglesas em seus poemas. Quais são as diferenças que você sente na expressividade das duas línguas?

Bruna Beber – Já usei, sim, é verdade, sobretudo citando canções e versos de outros autores, hoje em dia não sinto mais tanto essa necessidade. Virou uma Nãocessidade – rs. Eu acho que a principal diferença é que de fato há coisas que só podem ser ditas em determinada língua, com tudo que lhe é particular. Não vejo muita explicação, é mais uma vontade que surge diante de um contexto.

Quando Dr. Seuss tinha seis anos, suas histórias prediletas eram as de Charles Dickens e as de Robert Louis Stevenson. E você? Quais eram suas histórias prediletas aos seis anos? E quando conheceu a obra de Dr. Seuss?

Bruna Beber – Aos seis anos eu tinha acabado de aprender a ler, e lembro que lia qualquer coisa que chegava para mim. Chegou Ziraldo, Lygia Bojunga, Ruth Rocha. Depois, Monteiro Lobato e Irmãos Grimm, que minha mãe adorava, e os contos de fadas clássicos. O Dr. Seuss eu conheci depois de grande, infelizmente, primeiro os filmes e depois os livros.

O que acha das versões cinematográficas da obra de Dr. Seuss? Gosta de alguma em especial? Por quê?

Bruna Beber – As versões são complementos ao livro, no filme do Lórax, por exemplo, outros personagens são inseridos, há muito do livro ali, mas senti falta de muitos detalhes. O Jim Carrey fazendo o Grinch, lembro de ter visto no cinema. E também do Steve Carrell, comediante que adoro, dublando o prefeito de Who-ville no filme do Horton. Eu prefiro os livros, porque, apesar de os filmes cumprirem bem os papéis a que se prestam e serem capazes de pescar um novo leitor (como aconteceu comigo), só nos livros é possível conhecer a sério a grandiosidade do Dr. Seuss.

Se uma criança brasileira perguntasse pra você quem é Dr. Seuss, como responderia?

Bruna Beber – É difícil defini-lo, mas diria que: aquele amigo engraçado e criativo da sala, que é uma pessoa popular por sua excentricidade espirituosa, por sua capacidade de observação e por seu carisma tímido. Aquele amigo inventivo que circula em todos os grupos sem fazer questão de pertencer necessariamente a nenhum, que se destaca por ser quem é, uma pessoa inventiva e iluminada a quem todos sempre recorrem e admiram. Isso tudo é quase inconsciente na infância, acredito, sobretudo porque na escola os estereótipos são mais básicos e cruéis. Então, resumindo, o Dr. Seuss seria aquele amigo que te encanta e você quer ter por perto.

Dr. Seuss descreve O Lórax como um livro “antipoluição e antiganância”. Como você descreveria o livro?

Bruna Beber – Eu vejo O Lórax como um livro bastante profético. Ele antecipa muitos fatos e ainda é bastante atual. O mote principal é, sim, uma ânsia humana sabida, a cobiça, um pecado capital, e é a partir daí que vem a crítica ambiental. Mas é muito mais desdobrável do que isso, além de ser muito divertido. Acho que para compreender o Lórax é preciso ler e reler, com cuidado, para se deixar amplificar por ele. É um livro bem marcante. 

Quais os principais ingredientes da obra do Dr. Seuss? Poderia explicar?

Bruna Beber – Ousadia e universalidade. São qualidades nítidas em qualquer livro do Dr. Seuss.

Qual a sua obra preferida de Dr. Seuss? Por quê?

Bruna Beber – Dos que eu li e traduzi até agora, O Lórax é o meu xodó, uma aula de poesia, mas eu gosto muito do Ah, os lugares aonde você irá e do Ah, as coisas que você pode pensar. Ah, e o Grinch, como não amar suas artimanhas? E o Horton, como não se encantar por sua ternura e paciência? 

 

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