9 lições que aprendemos com os livros lançados em 2023
Livros não são feitos necessariamente para ensinar algo.
Não precisam ter uma moral, uma lição, uma grande revelação.
Mas podem nos agregar muitas coisas e nos tocar de muitas maneiras: despertando sentimentos, memórias, sensações. Nos desafiando a enfrentar velhas convicções, apresentando novos pontos de vista, alargando horizontes, despertando empatia. Livros podem mobilizar, engajar, sensibilizar, protestar.
Livros não precisam ensinar algo. Mas podem nos ensinar se dermos abertura. Se nos deixarmos tocar por histórias e personagens. Se mergulharmos em universos inteiros que passam a existir além do papel.
Em 2023, a Companhia das Letrinhas colocou no mundo vários títulos capazes de emocionar, instigar, inspirar e o mais importante: fazer sonhar com outros mundos - possíveis e impossíveis. Veja o que aprendemos com os livros lançados em 2023:
1. Representatividade e diversidade importam, sim - e muito!
2023 é o ano em que a lei 10.639, que institui o ensino de cultura e história africana e afro-brasileira nas escolas, completa 20 anos. Mas ainda há um longo caminho para que ela se torne realidade em todas as escolas do Brasil. Felizmente a literatura é uma possibilidade de aproximar - e exaltar - a negritude nas salas de aula, apresentando narrativas, personagens e inspirações da cultura afro-brasileira outrora escanteadas. Neguinha, sim!, o poema musicado de Renato Gama ilustrado por Bárbara Quintino nos ensina ao mesmo tempo que é preciso exaltar a beleza dos corpos negros - e que é possível fazer sucesso com esse tema, já que a obra foi a mais vendida na Bienal do livro do Rio.
Já Janaina Tokitaka coloca à mesa a diversidade que pode existir dentro de cada núcleo familiar em Almoço de família (Companhia das Letrinhas), uma lição sobre o amor que não cabe em rótulos e formatos pré-definidos.
Com Omo-oba: histórias de princesas e príncipes (Companhia das Letrinhas), de Kiusam de Oliveira com ilustrações de Ayodê França, resgatamos um legado precioso: as histórias dos orixás, que fazem parte da ascendência de tantos de nós. E por falar na importância da ancestralidade, essa é a principal lição de Meu nome é Raquel Trindade, mas pode me chamar de rainha Kambinda (Pequena Zahar), de Sonia Rosa, que traz a história de uma mulher sabida dos conhecimentos ancestrais.
2. Sensibilidade é força
Se deixar sentir e expor as próprias vulnerabilidades - para poder ser acolhido - é a grande lição de O menino com flores no cabelo (Pequena Zahar), de Jarvis. Já em Talvez você consiga (Pequena Zahar), é preciso sensibilizar para ouvir aquela vozinha interna que nos impulsiona a seguir - e não nos deixa desistir. Já Dorinha, a personagem que dá nome ao livro Em As aventuras de Dorinha (Companhia das Letrinhas), de Claudio Thebas com ilustrações de Bruna Lubambo, nos ensina a mergulhar na própria solidão - uma solidão que todos temos - e se deixar sentir, encontrando o próprio caminho de volta. Com texto de Vanessa Barbara e ilustrações de Laura Trochmann, Mamãe está cansada (Companhia das Letrinhas) mostra que mesmo fortes as mães também sentem, descortinando a subjetividade por trás da super mulher que todos os filhos imaginam. Já em A costura, de Isol, um xale palestino se transforma em cenário de uma trama delicada, na qual se costuram dois universos. Um livro que nos ensina a abrir espaço para criar, a partir de aparentes falhas, novas narrativas. Um livro para ampliar nossa percepção.
Mas nós, humanos, não somos os únicos que sentimos. Em Respire Fundo (Companhia das Letrinhas), aprendemos o que fazer para recuperar a tranquilidade quando o que sentimos nos deixa fora do eixo, com as galinhas zens ilustradas pelo autor Sujean Rim. E em Será que a Terra sente? (Pequena Zahar) somos convidados a refletir como o planeta se sente com a forma que o tratamos.
3. É preciso manter as memórias vivas - e reviver por meio delas
Lembranças de tempos passados. Da infância que se afastou. A saudade de quem já partiu. Livros podem ser verdadeiros tributos à memória de um tempo, de lugares, de pessoas. Nos fazem lembrar e suspirar - às vezes de saudade, mas às vezes também de alívio. Em Minha avó ia ao cinema (Companhia das Letrinhas), de Paula Marconi de Lima com ilustrações de Lumina Pirilampus, revisitamos o interior de décadas atrás, imaginando como era a vida de nossas avós e mães muito antes de nós. Tartaruga (Companhia das Letrinhas), por sua vez, mostra que são as pequenas coisas que nos marcam sobre as pessoas que amamos - mesmo quando não queremos lembrar delas com saudade. Um livro sensível de Ángela Cuartas com ilustrações de Dipacho.
Até os objetos mais improváveis podem nos despertar memórias ternas: esse é o espírito do livro Os dengos na moringa de voinha, de Ana Fátima, ilustrado por Fernanda Rodrigues. Assim também acontece em A panela (Companhia das Letrinhas), de Patricia Auerbach, que por meio da exploração de um objeto tão ordinário nos faz reviver a inventividade e a falta de amarras da infância.
4. Dar espaço para brincar com as palavras e deixar que elas nos contem sobre si mesmas
Com autoria de Sofia Mariutti, e da artista gráfica Yara Kono, que criou as ilustrações, o livro Vamos desenhar palavras escritas? (Companhia das Letrinhas) cria um jogo poético entre palavras e ilustrações, que acabam culminando em uma grande brincadeira com a linguagem e seus símbolos gráficos. Em Crá-crá de tucano (Companhia das Letrinhas), sons viram palavras - e as onomatopeias marcam o ritmo, nos mostrando como o papel pode abrigar sons e como esses sons podem contar histórias. Já a dobradinha dos clássicos O livro da história do livro e O livro da história da comunicação (Companhia das Letrinhas), de Ruth Rocha e Otávio Roth, com ilustrações de Raul Loureiro, nos conduzem por um mergulho na história do livro e da própria comunicação com curiosidades inusitadas que nos fazem aprender sobre a história da humanidade - e a nossa própria.
5. Encontrar ritmo e graça no dia a dia como um exercício constante
A rotina é uma das grandes aliadas de pais e mães na infância - tem a hora de acordar, do banho das refeições. A rotina organiza o dia - mas não precisa ser sem graça. E quebrá-la de vez em quando também faz parte. É o que nos ensinam as obras de Silvana Rando, Bibo no sítio e Bibo na escola (Companhia das Letrinhas). Já O dia Dê (Companhia das Letrinhas), de Estevão Azevedo com ilustrações de Mariana Massarani parte da ideia de que todo dia pode ter algo de marcante, de especial, de diferente - uma lição em que todos nós podemos nos inspirar. É claro que tem dias em que tudo parece sair do controle, como acontece em Gildo está fora do ritmo, de Silvana Rando. Felizmente, com a mobilização dos amigos, o adorável elefante consegue voltar para o seu eixo, depois de um dia da-que-les - quem nunca?
6. Enfrentar nossos medos e dores é preciso - e ressignificá-los é um caminho
No clássico O pato, a morte e a tulipa (Companhia das Letras), de Wolf Erlbruch, o pato pergunta à morte: “Quem é você, e por que fica andando atrás de mim?” A consciência da finitude traz medo e angústia a todos nós. Mas este livro nos ensina que a morte é parte da vida - e pode chegar com suavidade no tempo certo. Com leveza, Quibe, a formiga corajosa (Companhia das Letrinhas), ensina que todos sentem medo mas que ninguém é pequeno demais para enfrentá-lo - com texto de Camila Fremder e ilustrações de Juliana Eigner.
7. Temos um compromisso com o coletivo - e todo mundo faz parte
Vontade de ter tudo para si, todo mundo sente. Especialmente as crianças. Difícil é dividir e aceitar que O mundo é de todo mundo (Companhia das Letrinhas), primeiro livro de Tati Bernadi com ilustrações de Talita Hoffman. Como nos ensina Margarida, a menina que sente vontade de ser sempre a primeira, entender que somos parte de um todo é uma lição que precisa ser aprendida - e também pode ser ensinada com os livros. Em Picolé de lua (Companhia das Letrinhas), da sul-coreana Heena Baek, vemos esse poder do coletivo quando todos os moradores do prédio são mobilizados para devolver a lua - que derreteu e acabou virando picolé!
2023 também foi o ano em que o termo aporofobia, nome dado à aversão aos pobres. Ou apenas um jeito de dizer que uns são mais iguais que outros - ou que uns fazem parte e outros não por conta de sua classe social. Dois livros nos ensinaram muito: Aporofobia (Companhia das Letrinhas) e Os pombos (Companhia das Letrinhas), ambos de Blandina Franco e José Carlos Lollo, com apoio do Padre Júlio Lancellotti. O primeiro nos ensina o nome de um sentimento que já vivenciamos - o ódio e o preconceito contra os pobres e nos sensibiliza sobre as situações (e ofensas) que as pessoas em situação de vulnerabilidade vivenciam. O segundo choca com nosso próprio olhar para pobres e pessoas em situação de rua, metaforizadas em pombos.
De forma mais sutil, Aqui e aqui (Companhia das Letrinhas) de Caio Zero fala de privilégio e desigualdade. E apresenta, na vivência de um menino curioso, uma situação típica das famílias de classe baixa: a mãe que sai cedo para trabalhar e deixa o filho aos cuidados da vizinha.
8. O planeta é nossa casa e nossa responsabilidade
Nem todo mundo consegue fazer como Pilar, Breno e o gato Samba, que partem para a Amazônia para combater o desmatamento da floresta em Diário de Pilar na Amazônia - Urgente (Pequena Zahar). Mas todos podemos fazer a nossa parte. E muitos livros colocam em pauta não apenas a urgência de agir pelo planeta, mas a conexão entre todos os seres que aqui habitam. Em Lá longe (Pequena Zahar), de Carolina Moreyra e Odilon Moraes, nos identificamos com um paralelo entre um menino e a natureza, separados pela paisagem, mas unidos pelo mesmo fio invisível que sustenta a vida na Terra.
9. Sempre há espaço para a imaginação
Um quintal em um dia de domingo é tudo o que um menino precisa para criar mundos incríveis com piratas e mares revoltos em Domingo (Companhia das Letrinhas), de Marcelo Tolentino. Já em A incrível pintura de Felix Clousseau (Companhia das Letrinhas), de Jon Agee, é a arte que imita a vida quando as pinturas começam a sair de quadros e ganhar o mundo. Piscina (Companhia das Letrinhas), de JiHyeon Lee, nos lembra que abaixo da superfície podem estar mundos que sequer imaginamos - e que às vezes é preciso mergulhar fundo para conhecê-los.
Em seu ano de estreia na literatura infantil, Gregorio Duvivier mostra que é possível inventar novas narrativas até para um personagem presente em tantas culturas quanto o João Pestana (Companhia das letrinhas), ilustrado por Laurent Cardon. E nos ensina com Em busca do famoso peixarinho (Brinque Book) que uma mãe não poupa esforços - nem criatividade - para mergulhar nas fantasias de um filho.
E uma lição extra: sempre vale relembrar (e recontar) os clássicos
Seja para celebrá-los como são: como é o caso de Onde vivem os Monstros e Lá fora logo ali, de Maurice Sendak, relançados este ano pela Companhia das Letrinhas. Dois livros que nos ensinam há décadas a tecer um novo olhar para a rebeldia das crianças, trazendo mais protagonismo para a própria infância.
Seja para modernizar os clássicos ou trazer novas camadas às histórias que todo mundo conhece de cor. Em Loba (Companhia das Letrinhas) Roberta Malta ressignifica o feminino nos ensinando a ver com outros olhos a menina de capuz vermelho e o lobo - ou loba -, nas ilustrações delicadas de Paula Schiavon. Janaina Tokitaka e Flávia Borges escolheram outro caminho ao lançarem para a Coleção Canoa: Cinderela e o baile dela, O pedido da fada madrinha, O pequeno sereio e Bela, a fera, e Fernão, o belo, todos da Companhia das Letrinhas. Todos as obras trazem versões mais moderninhas dos contos clássico, ensinando lições sobre diversidade, papéis de gênero e acima de tudo: sobre a importância de poder ser quem se é.
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