Mil e uma formas de ser inteligente

Tirar notas boas é o caminho para passar de ano na escola, mas está longe de ser uma medida eficiente para saber se uma criança é inteligente ou não. Da mesma forma, avaliações ou testes de QI tampouco são ferramentas que funcionam para dizer se uma pessoa é sábia ou não. Há muitos tipos de inteligência e habilidades e é difícil encontrar uma única ferramenta que ateste o nível de aptidão intelectual (ou de previsão de sucesso) de alguém. Ainda mais numa sociedade que se transforma de forma muito acelerada e o conhecimento ou a habilidade que era necessário ter no passado já não é tão importante hoje ou no futuro - como quando dizem que mais valerá saber onde encontrar as informações do que tê-las estocadas em algum lugar do cérebro.

Mas a verdade é que muitas vezes continuamos medindo (e nivelando) as crianças com réguas muito curtas, e inexatas, como a das notas. E isso pode ser realmente muito frustrante para elas, ao não se julgarem inteligentes quando não têm um bom desempenho em uma ou outra área. Por isso, ensiná-las que todo mundo é esperto a seu modo, que os talentos são múltiplos e que há muitas maneiras de ser bom faz tanta diferença. E livros como Mil e um jeitos de ser sabido, de Davina Bell com ilustrações de Allison Colpoys (Brinque-Book), acabam ajudando nesse processo.

Página do livro Mil e um jeitos de ser sabido, que mostra às crianças que há diversas habilidades e que as notas não são sinônimo de inteligência ou falta dela

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Mil e um tipos de inteligência

Há quem tenha mais dificuldade para acertar uma operação matemática, mas consegue liderar uma atividade em grupo como ninguém. Há quem não consiga acertar, na hora do ditado, a ortografia de todas as palavras, mas conhece quase todas as espécies de dinossauros que habitaram nosso planeta há milhões de anos. Há quem se esqueça da ordem dos acontecimentos em um processo de fotossíntese, mas tenha um sentido aguçado para saber quando alguém precisa de um abraço. Existem várias maneiras de como ser inteligente, e o livro de Davina mostra isso de uma forma encantadora.

No campo científico, há algumas teorias que tentam mostrar essa diversidade também, entre elas uma que ficou bastante conhecida: o conceito de múltiplas inteligêncais do psicólogo norte-americano Howard Gardner, desenvolvida nos anos 1980. Segundo o autor e pesquisador, a inteligência pode ser dividida em oito tipos, entre elas a inteligência linguística e a lógico-matemática (nas quais as escolas costumam focar mais quando querem "avaliar a inteligência de um aluno"), mas também existem outros tipos, como a existencial, interpessoal, corporal-cinestésica, musical, espacial e naturalista.

Todas elas são importantes, para diferentes áreas e propósitos, e cada pessoa pode ter um ou mais tipos dessas "modalidades" combinadas. As diferenças apenas significam que as pessoas têm inclinações para áreas distintas do conhecimento e também maneiras diversas de absorver o saber. Mas, então, para quê serve a nota da escola? Ou as avaliações pedagógicas? Ou ainda os testes de quociente de inteligência (QI)? E por que parece tão ruim quando a criança recebe uma nota abaixo do esperado?

Mil e um jeitos de ser sabido

As diferentes formas de avaliar

A pedagoga Márcia Almirall, é orientadora do 3º ano do Ensino Fundamental no Colégio Santa Maria, em São Paulo (SP), e lida com isso todos os dias. Ela explica que foi-se o tempo em que a escola tinha como foco a avaliação como mensuração de capacidade e nível de inteligência. “Isso não existe - ou não deveria existir - mais”, explica, em entrevista ao Blog Letrinhas. “A avaliação é um processo que faz parte da aprendizagem”, pontua. “Mas essa avaliação precisa voltar para o aluno como mais uma oportunidade de aprender”, diz. 

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Uma criança não é só cognição ou memorização. “Tenho alunos que são extremamente competentes em uma precisão de cálculo, mas têm uma dificuldade maior em interpretação textual”, exemplifica. Por isso, para ela, é importante considerar as diversas formas dessa criança se expressar: o mesmo assunto pode ser trabalhado, em sala de aula, por texto, por oralidade, com jogos, de uma forma criativa… “Os processos de aprendizagem se dão de diversas formas. É preciso respeitar a criança e dar ao aluno a oportunidade nova de aprender”, pontua. 

Ou seja, dar à criança a oportunidade de rever, de receber pistas e de entender o que ela precisa. “Por exemplo, uma criança resolve um problema matemático, mas acaba se confundindo e errando um algarismo, fazendo com que o resultado seja diferente do esperado. Não é que está errado. É preciso ver o que ela acertou: ela fez o raciocínio correto, interpretou o problema, entendeu qual era a operação necessária… É importante que ela reveja isso e entenda onde acertou e onde errou. Isso é que vai ajudá-la a resolver a questão em uma próxima oportunidade”, explica a pedagoga. “Se você só devolve a atividade, dizendo que está errado, sem nenhuma explicação ou contexto, a criança vai se frustrar, vai achar que não sabe, vai perder o interesse, vai repetir que matemática é difícil…”, aponta. É preciso dizer onde, o quê e como a dificuldade será superada. 

Página do livro Mil e um jeitos de ser sabido, da Brinque-Book

Márcia ressalta que, com o tempo, os sistemas evoluíram e os objetivos também. Na escola, não se busca mais somente a nota e sim o aprendizado. E isso envolve errar, repetir, aprender, reaprender, revisar, ouvir opiniões. “Até porque, na vida, lá na frente, ninguém acerta nada de primeira”, afirma a orientadora. “A criança precisa desenvolver habilidades. Por exemplo, a escola tem o objetivo de fazer com que as crianças desenvolvam uma habilidade de argumentação. A partir daí, o conteúdo e as atividades são pensados para que o aluno chegue a esse objetivo - e cada um terá um ritmo, um jeito, uma dificuldade, alguns terão facilidade”, diz.

É preciso respeitar os processos de aprendizagem. “Um aluno que está, por exemplo, no espectro autista, vai aprender tanto quanto qualquer outro. Talvez em outro ritmo, com outra proposta, mas a capacidade intelectual dele está preservada nas condições que ele tem. São outras formas de chegar a alguns conhecimentos”, explica a pedagoga. 

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Os pais precisam estar juntos nessa!

Para que tudo isso funcione, existe um ponto fundamental: a escola e os pais precisam estar na mesma página. “Existem famílias que só entendem a nota pelo instrumento ‘prova’. Questionam que o filho tirou 10 na prova e não entendem porque a média não foi 10, então, não consideram as outras tantas atividades e maneiras de avaliar”, explica Márcia. “Outros, só olham o resultado final e não o processo”. Por isso, é fundamental ter reuniões com essas famílias, para explicitar todas as nuances e mostrar qual é o objetivo e quais são as diferentes formas de atingi-lo, com cada criança. “O encontro entre a família e a escola é fundamental para que se fale a mesma língua”, completa. 

Ilustração e texto do livro Mil e um jeitos de ser sabido, que celebra as muitas formas de ser inteligente

A mensagem final é que, sim, todo mundo é capaz de aprender e pode desenvolver e aprender o que não sabe. “Não existe ser bom ou ser ruim em alguma coisa. Ou ter uma área fácil ou difícil. O que acontece é que temos mais facilidade com o que já conhecemos, claro. Também podemos ter facilidade com outras coisas, só não conhecemos ainda”, completa a pedagoga. “Não há nenhuma relação com nota baixa e inteligência. A inteligência tem muitas formas de se manifestar”, finaliza. 

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