Como fortalecer a autoestima das crianças? Dica: aceitá-las do jeitinho que elas são!

A aceitação das crianças como elas são é um filtro mais que bem-vindo e necessário no olhar de mães, pais e adultos que cuidam delas em geral. Só na literatura infantil, algumas histórias de autores consagrados evidenciam que aceitar e apoiar as crianças do jeitinho que elas são, além de conferir confiança e autoestima para elas, ainda pode render uma diversidade de talentos artísticos para o mundo.

Para citar um exemplo, Dav Pilkey, o criador do best-seller mundial Capitão Cueca, foi diagnosticado na infância com TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade) e, apesar de ter sofrido muito com professores cruéis, sempre teve o apoio dos pais para criar suas histórias em quadrinhos, o que fazia desde bem pequeno – durante as aulas.

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O artista David Ouimet, autor de Eu fico em silêncio (Companhia das Letrinhas, 2021), conta que foi uma criança muito introvertida e solitária e, apesar disso, segura e feliz. Seus pais sempre incentivaram a aptidão criativa do garoto, que, na vida adulta, se tornou músico, artista urbano, autor e ilustrador.

Inspirado na experiência pessoal do premiado autor e poeta canadense Jordan Scott, o livro ilustrado Eu falo como um rio, lançado pela Pequena Zahar e ilustrado por Sydney Smith (o mesmo de De flor em flor, da Companhia das Letrinhas), apresenta uma história sensível da relação entre um menino que é disfluente e o papel de seu pai na aceitação de sua forma tão particular de falar.

No livro, depois de um dia difícil na escola, um menino com gagueira vai para perto do rio com o pai. Ali, eles procuram pedras coloridas e besourinhos, em silêncio. “É bom ficar quieto e sozinho com meu pai. Mas não consigo parar de pensar no meu dia ruim: Todos aqueles olhos vendo meus lábios travarem e se retorcerem, todas aquelas bocas dando risadinhas e gargalhadas”, ele diz.

Percebendo a tristeza do menino, o pai o envolve e aponta para o rio: “Está vendo como a água se move? Você tem esse jeito de falar”. A partir daí, o garoto também consegue se acolher, lembrando-se orgulhoso da comparação sempre que tem vontade de chorar ou quando sente dificuldade de falar.

Pai e filho passeiam na magem do rio. Ilustração de Sydney Smith.

 

Nomear situações difíceis

Em entrevista ao Blog por e-mail, Scott contou sobre esse dia em que observavam salmões e colhiam amoras, vendo a água se movimentar ao longo da borda, e que seu pai comentou que ele falava da mesma forma que o rio se movia.

“No rio eu aprendi a pensar diferente sobre criatividade e, mais especificamente, sobre poesia. Quando ele apontou para o rio, me deu a linguagem para falar de algo tão íntimo e aterrorizante. Fazendo isso, ele emaranhou a minha experiência da gagueira aos movimentos do mundo natural e eu fiquei encantado, na solidariedade de assistir a minha boca se mover para fora dela mesma”, relatou o poeta.

Jordan Scott conta que a bem-vinda comparação elaborada pelo pai também o fez se apropriar da sua maneira de falar. “No rio, eu aprendi a pensar diferente sobre fluência. O rio tem uma boca, uma confluência, um fluxo. O rio é uma forma natural e paciente, para sempre abrindo caminho em direção a algo maior que ele mesmo. Ainda assim, ao longo do seu movimento, essa forma que pensamos como natural gagueja, e eu gaguejo também”.

O menino se envolve na confluência do rio. Ilustração de Sydney Smith.

Fica claro que a metáfora apresentada pelo pai deu ao menino Jordan mais ferramentas para lidar com a gagueira e viver com ela, inclusive com orgulho. E isso aconteceu, no caso específico dessa experiência, porque o pai estava conectado ao filho e atento para escutá-lo, mesmo que ele não estivesse dizendo nada.

Da mesma forma, os pais de Dav Pilkey puderam enxergar o garoto para além do diagnóstico de déficit de atenção, como uma criança supercriativa e talentosa, que ele também era.

 

Ensinar a criança a lidar com quem ela é

Para a psicanalista, escritora e educadora parental Elisama Santos, a “função” dos adultos cuidadores na vida da criança é justamente essa: ajudá-la a viver e a lidar com todas as suas características, inclusive as que podem ser consideradas difíceis. “Nenhuma característica isolada é capaz de definir meu filho, minha filha. Esse é um ser humano complexo. E como eu ensino esse ser humano a lidar com quem ele é? Como eu ensino esse ser humano a lidar com as características dele? Porque uma característica isolada não determina a nossa atuação no mundo, mas como a gente aprende a lidar com essa característica é o que vai interferir na nossa forma de atuar no mundo”, explica Elisama. 

Ela explica que se trata de uma chavinha que precisa ser virada na forma de educar, que busca o fortalecimento da autoestima e a conexão com a criança, em vez de uma tentativa de “transformá-la” - como se isso fosse possível. “É ensinar para esse ser humano que ele é bom e bacana como ele é e que o valor dele não está na mesa, sendo negociado em todas as relações em que ele está, que ele não tem que provar que ele é legal. Porque muitos de nós aprenderam que, para ser bom, você não pode ter características difíceis (que são absolutamente humanas)”, explica a psicanalista.

 

O que é a autoestima?

Segundo Elisama Santos, a autoestima não tem a ver apenas com se achar ou não bonito ou inteligente, mas uma noção do próprio valor.

O quanto eu gosto de mim? O quanto eu aprendi a gostar de mim e a me respeitar? Como é que eu me vejo? Como eu vejo as minhas características? Como eu vejo meus potenciais, aquelas características que são difíceis em mim e que todo mundo tem? A noção do próprio valor é o que faz com que a gente diga não em determinadas relações, é o que faz com que a gente enxergue que é hora de sair de algumas relações. É o que faz com que a gente se sinta merecedor ou não das conquistas e do sucesso que a gente alcança. Então, essa noção do próprio valor determina a minha atuação no mundo.

Elisama Santos

Ela ressalta que a construção da autoestima pede que o aulto olhe para essa criança como um ser completo. “Eu entendo que ela é maravilhosa, independentemente de qualquer característica que ela tenha. Eu não posso moldar essa criança, não vou transformá-la em outra coisa; a minha função é ajudar essa criança a lidar com quem ela é. Isso é muito contrastante com o que a gente aprendeu sobre educação”, ressalta Elisama.

E, para quem deseja pôr em prática essa nova chave de educação, ela sugere 3 ações que podem ajudar a criança a lidar com quem ela é e a desenvolver a sua autoestima:

1) Escutar as crianças e valorizar a opinião delas. “A gente tem uma dificuldade muito grande de escutar o que a criança tem a dizer. E saber que o que ela tem a dizer é relevante, importante e merece ser escutado tem uma ligação direta com a autoestima e com a noção de valor. É essencial.”

2) Não rotular. “Entender que essa criança é complexa, que ela é muitas coisas. A minha opinião sobre é somente isso: a minha opinião. Não é fato. É a forma como eu enxergo essa criança. Quando eu entendo isso, eu não passo isso pra criança como uma verdade absoluta, porque, para a criança o que o pai e a mãe falam é a verdade, ela não vai questionar isso ou achar que eles estão errados. Isso também é essencial.”  

3) Agradecer o que a criança faz de bom. “Isso é algo muito simples de acrescentar na rotina: ser um arquivo vivo dos acertos. Nós temos uma tendência forte de ser um arquivo vivo dos erros. Nós apontamos o tempo todo o que ela precisa melhorar, mas não agradece o que ela faz de legal. Valorizar os esforços dela, agradecer a presença dela. É dizer: ‘Obrigada pela sua companhia hoje, obrigada por estar ao meu lado. Que coisa boa é ser sua mãe.’ Isso é fundamental para cuidar da autoestima”.

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