Jogando com a (nossa) natureza

O que é natureza para você? Muita gente associa o termo apenas a ecossistemas naturais, espaços repletos de árvores, animais e ar fresco. A palavra, entretanto, vai além disso, como defende Guilherme Blauth, ecoeducador e desenvolvedor de jogos cooperativos e ecológicos. Para o pesquisador, cada pessoa tem uma natureza interna. Quando nos conectamos ao ambiente natural externo, montanhas e rios, por exemplo, há um sentimento de pertencimento ao mundo.

“Somos natureza, dependemos da água, da saúde do solo, do clima, de todos os outros seres vivos nesta complexa e bela teia de interdependência”, diz o criador de jogos com cartas, tabuleiros e peças de madeira feitos com elementos naturais, encontrados em áreas verdes.

Uma de suas mais recentes invenções é o jogo Nove, inspirado num jogo da sustentabilidade chamado de xitolloio – que já vem com desenhos e regras de narrações ambientais. Já no Nove ele convida a criança a desenhar, escrever ou fazer colagens nas cartas em branco. Assim, são os próprios jogadores que inventam a brincadeira. E as maneiras de jogar também envolvem a criação artística, já que podem ser utilizadas técnicas de música e teatro, por exemplo.

O jogo é cooperativo: jogado com os outros, e não contra eles. Nesse tipo de atividade, a vitória é coletiva, como explica Blauth. “Jogos cooperativos engendram uma cultura de paz e uma sociedade pautada na solidariedade, na escuta e na alteridade.” A prática foi sistematizada nos Estados Unidos na década de 1950, chegando ao Brasil só em 1980.

Não é só pela criação de jogos que Guilherme incentiva a relação da criança com a natureza: também escreveu o livro O jardim das brincadeiras: uma estratégia lúdica para a educação ecológica, disponível em versão digital, integral gratuitamente. Na obra, aborda brincadeiras que podem ser feitas com objetos da natureza: folhas de diversos formatos, flores, pedras, sementes, carrapichos. “Brinquedos não-estruturados são muito mais divertidos, baratos e criativos. Os brinquedos que proponho no livro são todos orgânicos, biodegradáveis.”

A iniciativa é ainda mais relevante em situações de confinamento infantil. As crianças que brincam livremente estão nas menores cidades, enquanto aquelas dos grandes centros tendem a passar mais tempo em lugares fechados e a possuir brinquedos industrializados e com telas, lembra Blauth. Nesse contexto, as peças criadas por ele têm uma geometria orgânica, irregular. Fomentam a criatividade e a curiosidade, além de trazer benefícios no desenvolvimento físico, emocional e cognitivo.

Por isso, os jogos surgem da interação dele com as crianças e com os ambientes naturais de modo espontâneo. O trabalho que vem depois é o de sistematizar o jogo, criar um padrão de peças e dinâmicas de interação. Desse processo surgiu o Cipó, feito com peças de madeira, em que uma é suspensa por um fio e as outras devem ser equilibradas nela.  Outra criação foi o Fluss, que também utiliza elementos de madeira para criar um percurso pelo qual uma bolinha deve passar. É possível seguir o original ou inventar o seu próprio caminho.

As dinâmicas ajudam a conectar as crianças aos padrões da natureza, de geometria “irregular” e orgânica, com texturas, cores e formas diferentes. Fazem com que percebam que as peças de um jogo que queiram inventar podem ser coletadas em um passeio no parque ou na praça. “A natureza produz epifanias. Quis chamar a atenção de pais e professores para esses fenômenos e mostrar que eles poderiam encontrar nas plantas ao seu redor possibilidades infinitas de brinquedos e brincadeiras.”

O que ele propõe é que as crianças deixem um pouco de lado as telas, saiam dos espaços fechados e do enclausuramento. E olhem para cachoeiras, borboletas e para o barro, entrando em contato com as suas próprias naturezas, com o que há de mais íntimo e primitivo.

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