Exercícios de ser criança: para meu pai poeta
“Ele entrava na conversa das crianças e dava corda para os sonhos e peraltagens. Essas peraltagens nem sempre eram reais, havia histórias inventadas e sonhos do universo infantil que faziam parte de nossa imaginação.” O relato é da artista plástica Martha Barros. O livro de seu pai, o poeta mato-grossense Manoel de Barros, Exercícios de ser criança, com ilustrações dos artistas Fernanda Massotti e Kammal João (que também ilustrou Poeminha em língua de brincar e Cantigas por um passarinho à toa), acaba de ser relançado pela Companhia das Letrinhas.
Dois poemas longos compõem o livro: "O menino que
carregava água na peneira" e "A menina avoada". Leia +.
Como o próprio Manoel, o personagem do primeiro poema do livro, “O menino que carregava água na peneira”, descobre, por meio de suas pesquisas-brincadeiras pontuadas pelos “despropósitos” da infância, o caminho para fazer peraltagens com as palavras, tornando-se poeta.
No trecho abaixo, a filha do escritor conta algumas memórias de sua infância com o pai no Pantanal. Ela comentou que o relato das lembranças “foi feito com muito amor e mexeu comigo, me trazendo saudades de um tempo tão feliz”.
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"Guardo muitas lembranças da minha infância com meu pai. Algumas ficaram muito fortes em mim.
Passeando entre as árvores e a natureza do Pantanal, catando frutas no quintal, conversando e chupando laranja, que ele gostava de descascar.
Ele entrava na conversa das crianças e dava corda para os sonhos e peraltagens. Essas peraltagens nem sempre eram reais, havia histórias inventadas e sonhos do universo infantil que faziam parte de nossa imaginação. Éramos eu, meus irmãos e as crianças da fazenda.
Acho que ele se abastecia de nossas conversas, da natureza, e a imaginação voava...
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Minha infância (fui com 3 anos para o Pantanal) foi muito rica de natureza e de alegrias que carrego comigo até hoje desse tempo meio isolado na fazenda com a família, antes de ir para o colégio.
Havia no Pantanal essa solidão que tanto ele fala na sua obra, muito preciosa para ele e da qual os artistas tanto precisam; elas são vivências armazenadas que viram matéria de poesia!
Ele tinha muita insegurança, como a maioria dos artistas, e trabalhava diariamente seus versos, criando palavras novas e aproveitando tudo que ouvia das pessoas simples e humildes, de sabedoria natural.
Foi meu grande incentivador principalmente quando percebeu minha sensibilidade e meu amor pela pintura e pelas artes.
Nessa metáfora linda que ele usa no Exercícios de ser criança - carregar água na peneira -, ele nos fala da inutilidade da Arte, que se contradiz com a beleza e o mistério que estão por trás dessa "inutilidade".
Acho que esse é o grande mistério da Arte. Renovar e ressignificar o mundo!"
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