A natureza selvagem de Maurice Sendak: 'a mágica da infância é sua estranheza'
O escritor e ilustrador Maurice Sendak (1928-2012) tinha 35 anos quando escreveu e desenhou a história que mudaria a sua vida – e a literatura do século XX – para sempre: Onde vivem os monstros (Where the wild things are, 1963). Amplamente traduzido, estudado e repetidamente lido ao redor do mundo, a aventura do menino Max rumo à terra das coisas selvagens é uma das obras mais referenciadas no segmento da literatura ilustrada, mas não só. Em 2023, a publicação foi eleita, pelo grupo jornalístico britânico BBC, o melhor livro infantil do mundo. Apesar de uma sensação interrogativa implícita no título de sua criação mais conhecida, suas histórias não oferecem respostas, mas sim reconhecem as perguntas. "Eu não escrevo para crianças", declarou Maurice Sendak em uma famosa entrevista ao comediante e apresentador Stephen Colbert. "Não escreves?", replica o entrevistador. "Não, eu escrevo e alguém diz: “Isto é para crianças.”
Max se torna rei de todos os monstros na obra primeira obra de Maurice Sendak, Onde vivem os monstros, que o consagrou na literatura infantil. Crédito: Sam Fal / NYT / Redux
“Não me parece que Sendak queria entender ou domar selvagerias; acho que ele só queria mesmo poder conversar, dar a mão ao leitor.” (Cristiane Rogerio, pesquisadora e jornalista)
Sendak não teve filhos, mas foi com as crianças que ele conseguiu sua maior e mais duradoura interlocução. Dentre as muitas cartas que recebia, certa vez chegou a seguinte indagação de um leitor de oito anos: "Caro Sr. Sendak, quanto custa para chegar onde estão as coisas selvagens? Se não for caro, minha irmã e eu gostaríamos de passar o verão lá."
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Leituras para desafiar leitores e revolução para o livro ilustrado
Sendak foi o primeiro autor norte-americano contemplado, em 1970, com o prêmio Hans Christian Andersen, tido como "o Nobel da literatura para crianças". Em 1964, por Onde vivem os monstros, recebeu a consagrada Medalha Caldecott, nos Estados Unidos.
Em outubro deste ano, a editora norte-americana Harper Collins anunciou uma nova edição digital do livro, que será narrada por Michelle Obama. Em junho deste ano, o grupo antecipou a chegada de um título inédito do autor, o counting book, ou livro de contar, Ten Little Rabbis (1970), previsto para fevereiro de 2024. Enumerar seus inumeráveis feitos tem relevância informativa, mas significaria pouco ou quase nada para a pessoa que dizia não acreditar em prêmios. Fã de William Blake, Herman Melville e Mozart, seu interesse era manter-se criativamente em movimento - e, com sorte, inspirar o mesmo nos leitores.
"Ele nos ensina a ler melhor, porque nos desafia como leitor da primeiríssima infância à idade adulta”. É o que nos ajuda a pensar Cristiane Rogerio, coordenadora do Ciclo de Estudos Maurice Sendak seus terríveis rugidos e as crianças, percurso formativo, realizado entre os dias 9 e 10 de outubro de 2023, em parceria entre A Casa Tombada e a Companhia das Letrinhas.
"Queremos ou aprendemos que é melhor quando se é desafiado. Este é um legado para criadores de livros, porque eles sabem que desde a infância não podem e não precisam fazer livros de qualquer jeito. Temos a linguagem e é saboroso que se experimente mais e mais." (Cristiane Rogerio, pesquisadora e jornalista)
Para Clara Gavilan, ilustradora, pesquisadora e também coordenadora do Ciclo de Estudos, o aspecto revolucionário do autor, que ela destaca como precursor do livro ilustrado contemporâneo, transparece na articulação entre os elementos narrativos. “Os livros de Sendak são uma escola”.
“Palavra, imagem e design estão tão entrelaçados na construção da narrativa que é impossível estudar uma dessas linguagens sem pensar na relação com as outras. Tudo é parte da narrativa. Nós, criadores e pesquisadores de livro ilustrado, aprendemos muito observando e analisando como outros criadores chegaram à soluções para contar sua história através da ima'gem fragmentada, da relação entre palavra e imagem e do pensamento da arquitetura do livro como parte integrante da narrativa”, explica Gavilan.
"A mágica da infância é a estranheza da infância." (Maurice Sendak, em You have to take the dive / TateShots)
Sendak adorava cães; vários deles povoavam suas histórias. A cachorrinha Jennie inspirou o livro Higglety Pigglety Pop! (1967). O pastor alemão Herman foi seu companheiro até os últimos dias.
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No obituário do New York Times, o artista é descrito como “autor de esplêndidos pesadelos”, e como aquele que "libertou o livro ilustrado do mundo seguro e higiênico dos berçários, e o lançou nos escuros, terríveis e assombrosamente belos esconderijos da psique humana".
O pioneirismo de Sendak ao combinar palavras e imagens ao design do objeto abriu os caminhos do livro ilustrado como uma modalidade de narrativa para a infância, além de sua ousadia de não fazer concessões ao contar partes difíceis da vida para as crianças; essas e e outras características são inspiração confessa para gerações de artistas mundo afora. Exemplos dessa influência podem ser encontrados em autores contemporâneos como Odilon Moraes, Neil Gaiman, Oliver Jeffers, Judy Blume, Jon Scieszka, David Ouimet e John Kenn Mortensen.
A importância de Sendak atravessa também outras linguagens artísticas, e já mobilizou até musicais, em canções de artistas tão diversos quanto Metallica e Patrick Watson, balés, espetáculos de ópera; sua criação mais conhecida virou também longa-metragem, pelas mãos do diretor Spike Jonze, que lançou a versão cinematográfica de Where the wild things are – estrelado por Catherine Keener – no mesmo ano em que o livro chegou ao Brasil, 2009.
Maurice Sendak, ao lado do cineasta Spike Jonze, de quem se tornou amigo. "Com um pouco mais de sorte, eu teria sido Spike Jonze", revelou o escritor no documentário Tell them anything you want.
A infância de lutos de Maurice Sendak e a descoberta da arte
Maurice Sendak nasceu em um dia 10 de junho de 1928, no Brooklyn. Em 2012, poucos meses antes de completar 84 anos, morreu, em Connecticut, onde passava os dias na companhia do pastor alemão Herman e de sua melhor amiga e assistente, Lynn Caponera, diretora da Maurice Sendak Foundation. O escritor passou mais de 50 anos com o companheiro, o psiquiatra Eugene Glynn, que faleceu em 2007.
Ele era o caçula de três irmãos em uma família de imigrantes – seus pais eram judeus poloneses que foram para os Estados Unidos antes da Primeira Guerra Mundial. Eles viriam, anos mais tarde, a se tornar sobreviventes da Segunda Guerra Mundial, quando grande parte de sua família paterna foi exterminada no Holocausto.
Quando Sendak nasceu, sua irmã mais velha, Natali, já tinha 11 anos, e o autor a via como sua grande figura de cuidado. Já o irmão Jack, cinco anos mais velho, era sua companhia de criação e grande influência das primeiras descobertas artísticas, ao lado do pai, que era historiador e admirador de narrativas. "Minha sorte estava nos meus irmãos", dizia Sendak. Juntos, eles inventavam histórias, garatujas e brinquedos feitos à mão – engenhosas maquinarias de madeira, papel machê, arame e outros materiais encontrados pela casa.
Essas primeiras criações eram assinadas com um nome diferente do que hoje estampa a capa de seus livros. Isso porque, para os irmãos, com quem o autor imaginou que fosse morar para sempre, brincando e reinventando a vida, ele era “Murray”, e não Maurice.
Os brinquedos animados feitos de madeira começaram como uma brincadeira de Sendak com o irmão, Jack, e se tornaram o germe para sua carreira de ilustrador.
Quando se lembra de seus primeiros anos, Maurice via em si mesmo uma criança assustada, afetada pelo contato prematuro com a morte. Ainda assim, segundo as histórias que seu pai lhe contava, era o bebê mais sorridente que ele já tinha visto, e, à noite, gargalhava sozinho no escuro do quarto.
Na biografia conturbada do autor, que desde os primeiros anos de vida esteve em confronto com a morte de variadas formas, poucos indícios poderiam supor o alcance dessa experiência. Introspectivo, reservado e em constante debate com sua homossexualidade, Sendak passou a vida construindo, em suas histórias, uma espécie de refúgio para a vivência íntima de estar no mundo sem compreendê-lo.
Com 12 anos, ficou fascinado pelo filme Fantasia, da Disney, e decidiu se tornar ilustrador. Foi nos anos 50, depois de trabalhar ilustrando para a All-American Comics, e como vitrinista para a FAO Schwartz, que Sendak começou a ilustrar livros infantis. Foi quando conheceu Ursula Nordstrom, editora da Harper and Brothers. O primeiro livro foi ilustrado por ele aos 23 anos de idade, um pequeno volume chamado The wonderful farm de Marcel Ayme (1951). Após uma primeira década produtiva como parceiro de criação, veio a grande virada de sua carreira, Onde vivem os monstros. Do ponto de vista do autor, esse foi o livro que o colocou em uma eterna sombra de si mesmo. Tão bem recebido que jamais pôde ser superado.
Os livros seguintes, talvez por sua natureza de criações mais conscientemente pensadas, não alcançaram êxito parecido. Menos pela régua de sucesso, que estava em um patamar praticamente impossível de repetir, que por demérito das histórias em si, que seguem até hoje se comunicando com os leitores de maneiras pouco vistas na literatura mundial.
A Revista Rolling Stone ilustrou a capa de uma edição de 1976 com personagens de Sendak, definido-o como autor de "livros bizarros que durante décadas capturaram os jovens de coração".
As narrativas de Sendak são, antes de mais nada, um modo de expressão possível para um indivíduo consciente da fatalidade de ser humano, o que ajuda a explicar sua atualidade.“Elas conversam com as infâncias atuais porque ainda temos medo de nossos sentimentos”, diz Cristiane Rogerio.
"Há ainda crianças 'abandonadas' à sua própria sorte com seus conflitos, sem que um adulto de confiança mencione que é legítimo o que ela está pensando, sentindo, questionando". (Cristiane Rogerio, pesquisadora e jornalista)
Conhecido por uma honestidade visceral, ele dizia não adorar a infância, ao contrário do que se supõe sobre alguém que dedica a vida a produzir para crianças e jovens. Mas ele próprio considerava uma peculiaridade pessoal inevitável a sua capacidade de dialogar com a infância.
“Eu acho que o que eu ofereci foi diferente não porque eu desenhei ou escrevi melhor que os outros, mas porque eu fui mais honesto que os outros”; (Maurice Sendak, em uma cena do documentário Tell them anything you want: a portrait of Maurice Sendak, dirigido por Spike Jonze e Lance Bangs)
Morte, infância e absurdo: as múltiplas narrativas de Sendak
Um sentimento de espanto e inadequação acompanhou o artista desde os dois anos, quando ele contou aos seus pais que viu, na capa do jornal Daily News, a foto de um bebê morto e por isso foi considerado louco. Tratava-se do caso Lindbergh, que escandalizou o mundo no início dos anos 30, quando o primogênito do famoso aviador norte-americano Charles Lindbergh foi sequestrado e morto. Anos mais tarde, a partir de um encontro que Sendak relata ter feito com o autor de um livro escrito para inocentar Rudolph Hauptman, acusado pela morte do bebê, a existência da fatídica foto foi atestada como uma tiragem recolhida do jornal, a pedido da família Lindbergh.
O enigmático bebê que marcou os primeiros anos de Sendak – e que pode ser lido como um misto de easter-egg com resquício de elaboração psicanalítica – aparece no livro Lá fora, logo aqui (Outside, over there, 1981). A história se inspirou justamente no incidente Lindbergh para contar como uma menina salva o irmão de um sequestro. O enredo também reconta a dinâmica da própria vida pessoal do autor, em que a irmã assumia o papel de tomar conta dele.
Já Na cozinha noturna (In the night kitchen, 1970) chocou a sociedade por um motivo diferente, mas também envolvendo crianças pequenas: a nudez do personagem Mickey, um menino que descobre uma cozinha mirabolante e quase vira ingrediente de bolo por engano. O livro está em vigésimo quinto lugar na lista dos cem livros mais censurados da década de 90, de acordo com a American Library.
Na cozinha noturna é um dos livros mais recheados de referências históricas e pessoais. Ali está a homenagem a seu primeiro personagem favorito, Mickey Mouse, a menção ao bairro de infância, o Brooklin, o trauma do Holocausto e a ridicularização de Hitler, na forma de cozinheiros que quase levam uma criança ao forno.
As duas histórias, somadas a Onde vivem os monstros, compõem a Trilogia Sendak, e refletem como as visões de infância de Sendak foram influenciadas pela sua própria, em que as crianças cuidavam umas das outras, aprendiam a ter autonomia e a serem capazes de criar as mais diversas saídas para situações insólitas.
O aviso na porta de Rosie (The sign on Rosie’s door, 1969), publicado no Brasil pela Cosac Naify, Higglety Pigglety Pop!, de 1967, e The nutshell library, de 1962, são outros destaques entre suas dezenas de livros publicados. Entre as adaptações para TV, destaca-se O pequeno urso, baseada em uma série iniciada nos anos 50, nomeada de Little Bear, escrita por Else Holmelund Minarik e ilustrada por Sendak. O desenho foi exibido no Brasil pela TV Cultura nos anos 90.
Da mesma forma, a alternância entre realidade e fantasia é parte não só das obras, mas da própria visão de mundo do autor. Uma característica que ultrapassa a mera checagem de fatos ou mesmo a verossimilhança, para atestar que a vida é, sim, absurda, e que essa estranheza inexplicada precisa estar narrada de todas as formas possíveis – também para as crianças.
Além de sua consciência precoce sobre o fim da vida, que começa com o bebê Lindbergh, a infância de Sendak foi marcada também por uma experiência ainda mais próxima com a morte. Uma tarde, enquanto brincava de jogar bola com o vizinho Lloyd, Sendak viu o amigo ser atropelado e morto. Vivências como essas, somadas ao fato de ter perdido familiares nos campos de concentração nazistas, compõem uma história de vida mediada pela crueza da realidade.
Transgressões na forma e no conteúdo: as marcas dos monstros de Sendak
Dissidente dos modos tradicionais de "aprender" desenho, Sendak nunca quis frequentar a escola de Belas Artes. Ao contrário do que o tempo hoje nos mostra, 60 anos depois de sua primeira edição, nem Onde vivem os monstros nem seu autor estavam fadados ao fracasso por serem assustadores. Ambos são considerados, até hoje, acontecimentos importantes para a literatura norte-americana.
No período em que a obra foi criada, não eram (apenas) os dentes afiados dos monstros nem seus olhos amarelados que ameaçavam, mas a temática em si. Era inadmissível, naquele ponto, conceber que uma mãe pudesse indisciplinar o seu filho de tal maneira que ele gritasse com ela: "olha que eu te como!", como diz Max, aos berros. A raiva, a frustração, a imaturidade primitiva: esses não eram sentimentos permitidos nas relações parentais. Questionar por que, nos dias de hoje, o debate sobre esse tema ainda não evoluiu a ponto de acolhermos as contradições da parentalidade talvez ajude a explicar o fenômeno que o livro simboliza.
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Maternidade e infância livres de idealismo
“Se pensarmos rápido, vamos dizer que (Onde vivem os monstros) é a história de um menino com raiva. Ixi, um menino que está com raiva da mãe! Mas, se pensarmos bem, é também uma história de uma mãe com raiva: uma mãe com raiva do filho”, explica Cristiane Rogerio, ao levantar um ponto-chave na leitura social de Onde vivem os monstros. “Na concepção ocidental e, arrisco dizer, principalmente judaico-cristã, é exatamente o que queremos esconder como sociedade, como família ideal e, principalmente, nas relações com a mãe, aquela que nunca pode falhar”.
"Claro que temos que criar imagens de afeto e esperança, mas o que Sendak coloca lindamente é que há conflitos, o amor não acaba por conta deles." (Cristiane Rogerio, pesquisadora e jornalista)
Seja pela transparência ao expor as fraturas de uma relação idealizada, seja pela transgressão às normas que o comportamento da criança indócil sugere, o livro foi considerado uma ameaça por diferentes segmentos sociais.
“Vamos dar início à bagunça geral!”. A frase do personagem Max, de Onde vivem os monstros, correu o mundo como símbolo de insubmissão e liberdade.
Bastante conhecido na década de 60, o psiquiatra austríaco Bruno Bettelheim, famoso por sua interpretação psicanalítica dos contos de fada (vale pontuar: o ponto de vista de Bettelheim hoje é contestado por diversos críticos de literatura, como o professor Jack Zipes, que considera suas teorias um equívoco), escreveu um artigo expondo os porquês de os pais manterem seus filhos longe das criações de Sendak. A editora Ursula Nordstrom foi quem encampou corajosamente o projeto de transformar a literatura de Sendak em um veículo para as narrativas negadas pela pretensa moralidade vigente.
Na contramão da perspectiva adulta naqueles convulsivos anos 60, as crianças cada vez mais adoravam o livro, e queriam levá-lo para casa de todas as bibliotecas e prateleiras onde ele aparecia. À revelia das muitas tentativas de banimento e censura, e de ter chegado a ser proibido em algumas localidades dos Estados Unidos, Onde vivem os monstros se transformou rapidamente em um tipo de oásis da verdade humana, onde as histórias poderiam finalmente ser assustadoras, divertidas e lúdicas – tudo ao mesmo tempo, assim como a vida é.
Este é o único livro de Sendak que o autor enxerga como "verdadeiramente infantil". Uma prova de que um adulto, se estiver atento ao que isso significa, pode não perder por completo a habilidade de se colocar no lugar da criança para imaginar o que ela vê do mundo.
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Sendak: ‘diga às crianças tudo o que quiser’
"Eu tenho pensamentos de adulto na minha cabeça. Mas eu nunca vou falar sobre isso. Eu nunca vou escrever sobre isso. Por que estou preso na infância? Eu não sei. Acho que é onde meu coração está”, afirma o autor, em Tell them anything you want: a portrait of Maurice Sendak.
Há muitos aspectos da trajetória pessoal de Sendak e de como ele escolheu representá-las em sua arte que nos convidam a desconstruir ideias fixas do que seja uma criança, um artista, uma produção literária. São esses desvios de estereótipos e produções de diferença, no caminho de uma íntima exposição de si, que se mostram em uma vasta obra que, para a sorte de leitores atuais e futuros, ficará resguardada à eternidade.
"É um autor quer conversar com a criança – nas relações autor-leitor, artista-receptor, adulto-criança – de uma maneira diferente, esse desejo mesmo de que o que via/lia não o satisfazia, tanto no conteúdo quanto na forma." (Cristiane Rogerio, pesquisadora e jornalista)
Pouco antes de morrer, aos 84 anos, Sendak declarou a Spike Jonze: "Essa é a única coisa ruim em ser velho: não há tempo”.
Enquanto cada leitor lê e relê seus livros, a cada leitura que abre novas camadas inexploradas de sentido, parece ainda haver tempo de sobra. Tempo, inclusive, para ser permanentemente criança; para o autor, não se tratava de um período cronológico ou uma etapa por vencer, mas um modo de estar.
Disse Sendak: “Eu não acredito em crianças. Não acredito em infância. Não acredito que exista essa demarcação. 'Você não pode dizer isso, não pode dizer aquilo'. Diga a elas tudo o que quiser. Se for verdade, diga”.
Ao lermos uma e outra vez suas aventuras sem sentidos fixos, lembramos do que disse Paul Gauguin sobre a eterna permissão da infância de ser o que quiser: “sou duas coisas que não podem ser ridículas, um selvagem e uma criança”.
(Texto: Renata Penzani)