Projeto de formação leitora sai da sala aula e ganha espaço exclusivo

Originalmente publicado no Blog da Brinque
Em resumo Professora cria projetos de formação leitora dentro e fora da sala de aula e atende mais de 10 mil crianças em espaço criado para receber alunos da rede pública; saiba o que aprender com ela Era uma vez uma professora apaixonada por histórias, palavras, narrativas. Ela tinha o sonho de que cada criança pudesse ter acesso pleno aos livros: tê-los por perto todos os dias,  mexer, explorar, ler, brincar.  

Cadê o juízo do menino?, de Tino Freitas (texto) e Mariana Massarani (ilustrações): ler é uma delícia!

  Milene Silva, a professora, queria compartilhar com as crianças um pouco do que ela mesma experimentou quando pequena: "Tive uma mãe que me leu histórias e me contou histórias e fez com que gostasse muito de ler. Passei a acreditar que ler ia curar feridas e, principalmente, transformar vidas, começando pela minha, que [se] transformou. Achei que seria muito egoísmo se eu ficasse com isso guardado só para mim", conta ela. "Ler pode ser algo encantador, mágico, um abraço". Ela diz que um dia se deu conta que queria que todas as crianças da cidade fossem leitoras. A cidade a que se refere é Itapetininga, interior de São Paulo, onde trabalha e onde, desde 2009, cria e lidera diversos projetos bem-sucedidos de formação leitora, que culminaram na abertura de um espaço público para esse fim: o Estação Leitura.
  • Livro vai, livro vem

Foi em 2009 que, observando as crianças em sala de aula, numa escola pública municipal onde era professora, resolveu criar o Livro vai, livro vem, sistema de empréstimos das obras para fomentar a leitura para além da sala e da biblioteca da escola. E com o livro, a criança levava uma ficha para casa, que deveria ser preenchida com ajuda dos pais -- os mediadores da leitura -- e trazida de volta com o livro, contendo, entre outras coisas, a impressão da família sobre a obra. Em sala, as crianças faziam a Roda de Leitura, em que compartilhavam as experiências leitoras umas com as outras e ainda tinham um acervo de cerca de 35 livros à disposição.

No começo, as crianças exploravam os livros sensorialmente

  No começo, conta Milena, os pequenos exploravam os livros sensorialmente: apertando, mexendo, folheando muito mais do que lendo. Com o tempo -- e vencida essa curiosidade física por um objeto até então pouco acessível --, elas começaram a mergulhar de fato nas histórias lidas e mediadas. Era uma turma de crianças com idades entre cinco e seis anos e algumas delas se alfabetizaram autonomamente por causa do interesse e da paixão que a leitura despertou.
  • Fora da escola

Na escola, Milene realizou esse projeto nas turmas nas quais deu aula, entre crianças pequenas e as maiorzinhas, já em fase de alfabetização, entre 2009 e 2012. Em 2013, veio o convite em função do sucesso da empreitada na escola: uma das mães de aluno de Milene elegeu-se vereadora e convidou a professora para criar projetos de formação leitora na Biblioteca Pública Municipal. Lá, onde ficou entre 2013 e 2017, criou projetos como a Hora do Conto e Tarde de Histórias, em que as crianças visitavam o equipamento público, se encontravam periodicamente com os livros e ouviam narrativas.

Manu e Mila, de André Neves (texto e ilustrações): formar uma comunidade leitora é fundamental para fomentar a leitura, envolver e apaixonar os pequenos pelos livros

    Também nasceu lá o Leitura Mania para formar mediadores de leitura entre as crianças: por que crianças maiorzinhas não podem convidar as menores -- ou mesmo adultos -- para o universo leitor? A ideia aqui era favorecer os estudantes da zona rural da cidade, com ainda menos acesso aos equipamentos públicos de leitura. Não por acaso, Milene ganhou um prêmio do Ministério da Educação, em 2014, por inovação em bibliotecas.
  • Estação leitora

Em 2017, a secretária de Educação convidou Milene para gerir um novo espaço voltado para a formação leitora continuada, recém-criado pelo município: o Estação Leitura, que funciona no centro da cidade, ao lado da Biblioteca Comunitária Domingos Portela. Ali, todos os dias, crianças e jovens das escolas públicas da cidade visitam o Estação Leitura e acessam seus programas e acervo. Uma vez por mês, a comunidade não-escolar pode conhecer o espaço também. Há três meses, o espaço recebe crianças com Transtornos do Espectro Autista (TEA) para leitura e mediação. Em apenas um ano -- entre 2017 e 2018 --, a professora alcançou no Estação Leitura mais de 10 mil crianças, inclusive da Zona Rural de Itapetininga. O Leitura Mania continua acontecendo e vai até as escolas formando mediadores. Das então 80 escolas da cidade, 79 delas foram atendidas pelos projetos de Milene, seja na Estação Leitura, seja nas próprias escolas.
  • Como levar essa inspiração para a sua escola ou biblioteca

Há muito o que aprender e se inspirar com as ideias de Milene. Por exemplo:

1- Crianças exploram os livros fisicamente

É normal e esperado que as crianças pequenas e aquelas que estão em primeiros contatos com os livros tenham muita curiosidade pelo objeto, antes do conteúdo. Permitir essa exploração é essencial para que os pequenos deem uma chance para a literatura.

A princesa e as ervilhas, de Caryl Hart (texto) e Sarah Warburton (ilustrações): ter acesso livre às obras para escolher e explorar é um pré-requisito na formação de leitores

 

2- É preciso regularidade, acesso e paixão

Um bom projeto de formação leitora precisa de alguns pilares: regularidade -- para as crianças desenvolverem seus próprios processos de leitura --, acesso livre -- porque estar em contato com os livros e poder escolher é essencial -- e paixão do adulto mediador -- como apaixonar alguém por algo de que você não gosta muito?

3- Criar uma comunidade leitora é uma ótima ideia

Lara Meana, escritora, mediadora de leitura e livreira espanhola, quando conversou com o Blog da Brinque sobre formação leitora e leitura entre as crianças maiores, contou que sentir-se parte de um comunidade leitora, com a qual se pode trocar impressões sobre as obras e colocar as experiências ao ler determinado livro, é essencial. A leitura integra.

4- Mediadores entre os iguais

Apostar nas crianças como mediadores e influenciadoras dos colegas ajuda muito: primeiro porque fortalece o papel de leitor da criança mediadora, valorizando-a. E segundo porque a identificação entre as crianças garante dicas, trocas e escolhas bastante ricas e acertadas.

5- Ocupação dos espaços públicos

Estar em espaços de leitura é fundamental para formar leitores. Criar o hábito de frequentar esses espaços, conhecer seus códigos e garantir o acesso livre às obras são três dos principais passos para uma comunidade leitora. Sendo público, tanto melhor! Porque democratiza de fato e torna o livro menos um produto a comprar e consumir e mais uma experiência estética.
Este texto foi publicado originalmente no Blog da Brinque e estava hospedado no site da Brinque-Book. A editora Brinque-Book foi integrada ao Grupo Companhia das Letras em outubro de 2020 e a migração deste conteúdo para dentro do Blog da Letrinhas tem como objetivo somar conhecimentos, unificar os blogs e fortalecer a produção de conteúdo sobre literatura infantil, leitura e formação de leitores.
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