Um papo entre Lázaro Ramos e Roger Mello sobre diversidade

 

Por Mell Brites e Antonio Castro

 

Esta é mesmo uma Flip diferente. No segundo dia da festa, Roger Mello, autor e ilustrador premiado e ganhador do Hans Christian Andersen, e Lázaro Ramos, autor de Na minha pele (Objetiva, 2017) e do livro infantil O caderno de rimas do João (Pallas, 2015), têm um encontro inusitado e especial sobre educação social e literatura na Casa Libre & Nuvem de Livros, cuja proposta deste ano está centrada na ideia de que “Sim, outro país é possível”. A troca entre dois escritores com perfis tão diferentes não poderia ser mais produtiva. Perpassando temas como o papel da literatura infantil, o olhar eurocêntrico do brasileiro, a política na educação, entre outros, o bate-papo entre eles e a plateia girou principalmente em torno da diversidade.

 

Crédito: Liga Brasileira de Editores

 

A primeira pergunta feita aos escritores, justamente sobre  a importância da diversidade nos livros infantis, já mostrou que havia pontos em comum na obra dos dois. Tanto Roger Mello quanto Lázaro Ramos destacaram a relevância da representatividade em suas histórias. Roger falou do olhar viciado que adquirimos já nos primeiros anos de leitura: quando crianças, nos acostumamos a ler narrativas que trazem personagens que vivem em uma realidade muito distante da brasileira, com conflitos, medos e aflições diferentes das que enfrentamos aqui. Como essa via eurocêntrica é de mão única, tudo que é de fato nosso acaba sendo deixado de lado — e aqui podemos incluir os animais, os mitos e as lendas, as línguas e até nossas florestas (“Que graça tem uma floresta de pinheiros?”, o autor perguntou a certa altura, arrancando risadas da plateia).

 

Crédito: Liga Brasileira de Editores

 

Lázaro, cujo livro infantil tem um menino negro como protagonista, comentou que sua visão em relação à escrita do Caderno de rimas do João foi mudando ao longo do tempo. Assim que publicou a história acreditava que o motivo principal para tê-la escrito era o fato de que gostaria que seu filho pudesse ler narrativas com personagens iguais a ele, algo que o próprio autor não viveu. De uns tempos para cá, no entanto, depois de ver um depoimento da roteirista e produtora Shonda Rhimes sobre a representatividade de seus personagens, entendeu que se, como disse Shonda, ela não levava diversidade à televisão, mas normalizava a televisão, o próprio autor também estava normalizando o livro infantil. Afinal, num país como o Brasil, em que 53,6% da população se declara preta ou parda, o normal seguramente não é um mundo completamente branco e de traços europeus.

E seria impossível conversar sobre esses temas sem passar pelo respeito. Lázaro Ramos afirmou acreditar que quem tolera nem sempre respeita e isso precisa ser mudado. A educação é o principal, se não único, meio de fazer isso acontecer. Projetos como a lei 10.639, que torna obrigatório o ensino de história e cultura afro-brasileiras nas escolas, são iniciativas que incitam o respeito à diversidade e combatem o preconceito. A educação social, para Lázaro, deveria ser um círculo, e Roger complementou afirmando que, para se obter uma formação que de fato eduque e transforme, professores e alunos devem aprender e ensinar juntos, descartando de vez a ideia de uma sala de aula quadrada, onde a comunicação se dá apenas de cima para baixo.

 

Crédito: Liga Brasileira de Editores

 

O autor e ilustrador também expôs a sua vontade de devolver às crianças um pouco daquela loucura inata que aos poucos vai sendo tirada delas. Loucura, aqui, usada em seu melhor sentido: um olhar livre de amarras que nos permite entender e fazer parte do mundo sem se apegar aos padrões e estereótipos que tantas vezes nos são impostos. E Lázaro completou essa fala lembrando da capacidade da arte de mudar o mundo. “Arte transforma, e transforma às vezes sem a pessoa saber que está sendo transformada. Quando uma criança lê um livro com um personagem negro e entende que também pode protagonizar histórias, ela está sendo transformada.” E também nós, os ouvintes, estávamos nos transformando ao participar de uma discussão como essa, tão rara e reveladora.

 

 

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