O encontro com Mary Anning e os dinossauros

Por Jacques Fux,
autor do livro Mary Anning e o pum dos dinossauros

Mary Anning! Após tantos anos de pesquisas, encontros, encantos, escritas, descobertas, invenções, revelações, sorrisos e lágrimas, me despeço de você (com uma alegre tristeza) para te apresentar a este vasto mundo! Para que você brilhe, encante e fascine adultos e crianças. Todos precisam conhecer sua biografia de luta e sua busca incansável por evidências para revelar um dos maiores (literalmente) mistérios da história: a existência dos dinossauros!

Durante esses nossos anos de envolvimento, tentei desvendar sua alma. Tentei recontar com palavras o seu deslumbramento ao se deparar com as amonites – essas conchas fossilizadas que guardavam um segredo impensável. Resgatei seu susto ao encontrar fósseis de monstros inimagináveis e reconstruir uma história ainda sequer sonhada. Sofremos juntos – embora meu sofrimento nem chegue perto do seu – ao relatar as descobertas que fez e que foram usurpadas pelos cientistas. E claro, rimos bastante ao sonhar com os puns desses gigantescos punzentos. Obrigado!

Ilustração do livro Mary Anning e o pum dos dinossauros, de Jacques Fux

Ilustração do livro Mary Anning e o pum dos dinossauros, escrito por Jacques Fux e ilustrado por Daniel Almeida

Conheci Mary Anning quando estava pesquisando a história de mulheres cientistas. Ao me deparar com essa investigadora que teve um papel fundamental na descoberta da narrativa dos dinossauros meu coração bateu mais forte. Precisava saber mais da sua biografia, da vida dos dinossauros, das crenças e mitos do século XIX e da luta das mulheres na ciência. Não foi uma tarefa fácil, pelo contrário. Precisava desbravar mundos que me eram estranhos e só dispunha da minha paixão. Mas, assim como a paixão de Mary moveu literalmente montanhas (escavando encostas), tive que me arriscar para poder escrever sua biografia encantada.

Uma história encantada

E bota encantada nisso! Logo aos quinze meses de idade, Mary foi atingida por um raio. Ela estava no colo de uma vizinha acompanhada por duas amigas. As três mulheres morreram instantaneamente e (diz a lenda) a partir daquele dia Mary se tornou ainda mais esperta. Desde nova, ajudava seu pai a desbravar montanhas em busca de “curiôs” (curiosidades) que na verdade eram fósseis, e que atraíam os turistas para a barraquinha montada em frente à sua casa. Mary descobriu o primeiro ictiossauro quase completo, os esqueletos (ou vertebragens, como eram conhecidos na época) de um plesiossauro e do pterossauro. Ainda mostrou que as pedras de bezoar – místicas, míticas e poderosas, usadas vastamente na alquimia e na medicina medieval – eram, na verdade, cocô fossilizado! Bravo!

Capa do livro Mary Anning e o pum dos dinossauros, de Jacques Fux

Mas nada disso foi fácil para Mary. Ela mal frequentou a escola, aprendeu a ler nas aulas dominicais ofertadas pela igreja – e toda sua formação foi com base nas crenças religiosas – não tinha condição de comprar livros, de viajar, e até sonhar com uma vida melhor era difícil. Perdeu o pai aos onze anos, oito irmãos morreram ainda na infância ou no nascimento e mesmo com tantas descobertas reveladoras, foi desconsiderada por quase todos os cientistas da época. Mary morreu nova, sem quase nenhum reconhecimento, com pouco dinheiro e estrutura.

É uma história que poderia ser contada com um olhar triste e desolador, mas eu quis homenageá-la como merecia: uma menina-mulher-investigadora forte, destemida, vigorosa, decidida e alegre (as ilustrações e suas feições também foram pensadas para atestar isso). Desejei mostrar a paixão dessa mulher pela ciência, pela busca da verdade, pela criação e reconstrução de um quebra-cabeças quase sem pistas – ou com pistas distorcidas pelas fakenews da época – que nos brindou com a presença dos dinossauros (e seus puns?) em nossas vidas!

Uma biografia apagada pelo machismo

Assim como Mary Anning, este livro é audacioso. Foi uma tarefa árdua escrever uma biografia de uma cientista quase apagada pelo relato machista dos cientistas; foi um projeto dificílimo conectar o “surgimento” dos dinossauros com a narrativa histórica e a crença em monstros e mitos; foi complicado tornar essa história divertida, investigativa, engraçada e repleta dos “odores galanteadores” dos puns dinossáuricos. E como a ciência a cada dia desvela novas peças desse quebra-cabeças infinito que foi a Evolução, como há fragmentos e lacunas biográficas de Mary, e como talvez nunca saberemos com certeza se os dinossauros soltavam ou não puns, foi necessário partir para o encantamento ficcional histórico a fim de dar rumo e rima às peças fossilizadas dessa narrativa tão bonita e comovente.

Por isso este livro é um dos meus mais queridos e sonhados (e por isso também está sendo tão difícil me desvencilhar dele – escrevi mais de vinte versões e sempre tenho dor de barriga ao pensar nele viajando pelo mundo!). Mas eu estou extremante feliz e emocionado de poder dividi-lo com vocês! 

Ilustração do livro Mary Anning e o pum dos dinossauros

Mary Anning e o pum dos dinossauros (Companhia das Letrinhas) mostra que a luta da mulher na ciência foi e ainda é difícil; apresenta a paixão de uma menina-mulher pelos dinossauros (afinal, a pessoa mais importante por trazer esses seres para o nosso dia a dia foi uma mulher, então nada de pensar que isso é “coisa de menino”); discute de forma lúdica e leve a narrativa da história natural, da religião e da evolução; e ainda naturaliza, brinca e comove com os cheiros e sons dos punzentos.

Além disso, este livro não seria possível sem a contribuição das nossas cientistas! Muitas vezes desesperado, sem saber onde procurar informações e artigos para me aprofundar em estudos, escrevia para minha amiga Márcia Castro que logo me enviava teses, textos e fotos diretamente da biblioteca labiríntica e infinita de Harvard. A professora Márcia Castro é a primeira mulher a ser chefe de Departamento da Escola de Saúde Pública de Harvard e foi a primeira mulher a conseguir tenure (estabilidade) nesse departamento. Marcia ainda é uma das nossas mais importantes vozes científicas na luta contra a Covid!

Espero que este livro comova e inspire. Que faça com que os olhos das crianças brilhem e que desperte a curiosidade, as paixões e os sorrisos dos adultos. Contem a história de Mary Anning! Cantem e encantem os dinossauros e seus puns. Eles certamente merecem! (Jacques Fux, autor)

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Jacques Fux é escritor, pesquisador, professor e tradutor, nascido em Belo Horizonte em 1977. Fez doutorado na Universidade de Lille, França, e um pós-doutorado na Universidade de Harvard, EUA, e escreveu livros para adultos, pesquisadores e crianças. Já ganhou o Prêmio São Paulo de Literatura, o Prêmio Manaus, o Prêmio Cidade de Belo Horizonte, o Prêmio Paraná, o Selo Altamente Recomendável da FNLIJ e o Prêmio CAPES, e foi finalista do Jabuti, do APCA e do Barco a Vapor.

 

  

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