Lugares para morar: casa, planeta e corpo
Foi em um apartamento da zona sul do Rio de Janeiro que cresceu a ilustradora Lorena Kaz. A decisão de escrever Minha casa veio depois, com a vinda para São Paulo, quando passou a viver propriamente em uma casa, com direito até a um quintal. Sua obra, entretanto, amplia o significado dessa palavra. “Casa pode ser onde nos sentimos protegidos, pode ser onde nossos pais estão, onde tem cheiro de bolo que lembra a infância, onde a gente sabe andar de olhos fechados”, lembra.
Das lembranças de infância à nova vida em São Paulo, o livro nasceu de uma maneira inesperada. Foi em uma oficina de ilustração da artista Laura Teixeira, ainda em 2015, onde surgiu a primeira inspiração – um desenho que fez nascer toda a história do livro. Acontece que, quando enviou os originais à Companhia das Letrinhas, a sugestão foi que os traços ficassem mais simples. Foram mais sete meses de trabalho, redesenhando todo o livro. “É engraçado pensar que a ilustração que gerou a obra não esteja mais lá! Acho lindo ver o caminho que os projetos tomam, como se desenvolvem a partir da contribuição dos outros, se tornam maiores do que nós e diferentes do que poderíamos imaginar inicialmente.”
Ilustração que inspirou a história do livro
Ao final, traçados simples, pouca profundidade, poucas texturas e palheta reduzida de cores. Seguiu referências europeias das quais se declara fã, como os livros da editora portuguesa Planeta Tangerina e de artistas como Catarina Sobral e Beatrice Alemagna. Procurou entender como elas utilizam o branco e o negativo como elemento narrativo. Como inspirações, ela cita também os quadrinistas Maitena e Airon, que fizeram com que ela quisesse ser ilustradora. Depois vieram outros: André Dahmer, Liniers, Caio Gomez, Rafael Sicca…
Outras referências foram as casas do bairro onde Lorena vive, em São Paulo. A autora conta que andava pela cidade atrás de janelas, portas e formatos que lhe chamassem a atenção. “Fiquei um pouco obsessiva porque foram cadernos e cadernos de ilustrações de casa e praticamente nada foi usado no livro, pois os desenhos são muito simples”, conta.
“É um livro que pode nos fazer refletir sobre tudo o que é a nossa casa, nosso lar, nosso planeta, nosso corpo”, explica a autora. Ela queria falar sobre como aproveitar o tempo que temos na terra e tudo aquilo que chamamos de “nossa casa”: a nuvem é a casa da chuva e, ao mesmo tempo, é a própria nuvem. “Assim somos nós também, nosso corpo e nosso interior. Somos nossa casa. Nossa mente é a casa das ideias, nosso coração, casa das emoções”, completa.
Já a casa de Lorena é repleta de seus desenhos, espalhados pelas paredes. “A cada desenho que prendo, conquisto mais um pouquinho deste espaço e ele se parece mais comigo. Talvez seja isso, talvez a nossa casa seja, de alguma forma, um espelho”, diz a autora, que busca escrever e ilustrar livros para ajudar a formar crianças (e também pais) emocionalmente saudáveis. “Falamos muito em educar as crianças, mas tão importante quanto a formação das crianças é a conscientização dos pais. Por essa razão, tento fazer histórias com diferentes níveis de interpretação, que sejam capazes de tocar ao mesmo tempo pais e filhos.”