Liberdade aos sacys!

 

Sacy-brisa, sacy-lombola, sacy-mi, sacyossauro... A diversidade de sacys é muito maior do que se imagina – e vai muito além do famoso sacy-pererê. É o que nos mostra a exposição #Ocupasacy, no Sesc Interlagos, aberta ao público até começo de setembro. A diversidade é um dos pontos-chave da curadoria, feita pelo “sacyólogo” Rudá K. Andrade, pesquisador de sacys e codiretor do documentário Somos todos sacys, resultado de uma viagem pelo Estado de São Paulo a ouvir depoimentos sobre a figura mitológica.

Mas você deve estar se perguntando: por que o “y” no nome da criaturinha? É que a exposição questiona a visão lobatiana sobre o personagem, construída a partir de depoimentos enviados em sua maioria por senhores de escravos, fazendeiros. Segundo Rudá, a visão que ganhou dimensão nacional faz parte de uma lógica racista e colonialista. A palavra sacy, para Lobato, significava “olho mau” (çaa = olho; cy = mau). Já Rudá interpreta a palavra como “olho da mãe” (cy = mãe, a exemplo da deusa Jaci, “mãe dos vegetais”, ou da esposa de Macunaíma, Ci, “mãe do mato”).

 

 

Assim, o sacy renasce com uma nova dimensão, de protetor das crianças e da natureza. “É mais do que um diabinho infernal, que para mim é uma visão colonialista, racista, de eu não conseguir compreender as forças da natureza, o mundo. Vamos amarrando isso, entendendo o sacy, que é amigo, protege, cuida, defende. O sacy é resistência e memória.” O sacy, segundo o curador, vive a mostrar a sua capacidade de sobreviver em diferentes tempos e espaços, adaptando-se até ao mundo urbano. “Ele consegue viver fora da jaula do folclore”, afirma Rudá.

É de forma lúdica e fantástica que o projeto cenográfico de Jefferson Duarte apresenta o personagem aos visitantes que chegam ao Sesc Interlagos, uma unidade bastante arborizada. Logo na entrada encontram um espaço que remete à cultura caipira, ambiente natural do sacy. Deparam-se com a história de que 350 garrafas de sacys foram encontradas ali, junto a um inventário que cataloga as 77 espécies coletadas na pesquisa do curador. A parte cenográfica tratou de emoldurar essa história, como explica o cenógrafo, fã declarado do personagem. “Queríamos dizer para todo mundo que sacy pode ser de qualquer jeito, de qualquer forma. Trouxemos a diversidade. Não é só o sacy-pererê, são vários, de todos os tipos, de todas as formas. Tem uma pegada contemporânea, mas tem um pé tradicional, na história de São Paulo. Com isso, conseguimos trazer vários artistas, novas visões.”

Há diferentes ambientes na exposição. Na galeria, uma variada gama de artistas retratara a figura mitológica, desde Tarsila do Amaral a Ziraldo, passando por Nelson Cruz, Angeli e até imagens da cúpula da Igreja de São Benedito, na cidade paulista de Serra Negra. As cabaças, plantas africanas consideradas mágicas, ainda têm espaço por ali, com esculturas de Geraldo Tartaruga. Os poderes mágicos dessas plantas só poderiam ser conhecidos por seres fantásticos como os sacys, que ali guardam os segredos que conhecem sobre a cura, a vida e a morte.

 

 

A “sacyoteca” também chama a atenção não só pelo inventário das 77 espécies de sacys, mas também pelas garrafas das quais as criaturas se libertaram. Ali, livros que permeiam essas histórias ganham destaque, como Contos de gigantes e Contos de morte morrida, de Ernani Ssó, e Mata, de Heloisa Prieto. Já o Laboratório Sacyentífico reflete uma tentativa de lançar um olhar científico ao encantado. É o espaço para investigar questões como a velocidade média de um redemoinho, como eram os sacys jurássicos ou o quanto você tem de sacy. O visitante poderá aventurar-se também em espaços como a cozinha do sacy, o quintal em que são feitas as apresentações de música e contações de histórias e espaços externos, como o nascedouro e a trilha do sacy.

Mas não foi sempre que o sacy foi visto com toda essa diversidade e liberdade. O curador Rudá K. Andrade explica que o mito originou-se na Região Sul do país, com grande influência guarani. Migrou para São Paulo e chegou ao conhecimento de Monteiro Lobato, que decidiu investigá-lo mais a fundo. Pediu a seus leitores depoimentos da figura mitológica. Os relatos acabaram no livro O saci-pererê: resultado de um inquérito, que deu origem ao famoso personagem do Sítio do Picapau Amarelo, contexto em que o sacy ganhou dimensão nacional.

Ao questionar a visão lobatiana do sacy, o curador provoca um renascimento do personagem. Em #Ocupasacy, ele é símbolo de liberdade. Tanto que a equipe que criou a exposição não viu sentido em deixá-lo preso em garrafas nem em promover a famosa brincadeira da “caça aos sacys”. “O que trazemos de novo é a ideia da liberdade. Não caçamos mais sacy. O sacy tem que estar livre, traz histórias antigas e valores como solidariedade, liberdade, resistência e memória.”

E é assim que Tatiana Fraga, cocuradora e coordenadora, pensou o educativo da exposição. Ela conta que a intenção foi potencializar ao máximo essa figura do sacy, que “resiste ao tempo histórico”. “Como personagem de resistência à colonização, está junto dos escravos para criar quilombos, faz peraltices com os bandeirantes, vai acompanhando a história do Brasil, chegando aos modernistas e à antropofagia.” Além disso, o sacy traz consigo a questão do mitológico, do fantástico, do imaginário, da criança e da liberdade. “Acessa crianças, jovens, adultos, idosos, por ser um personagem do imaginário. Traz muito a questão da memória e também a possibilidade de cada um acessar o seu próprio sacy, encontrar esse lugar da liberdade dentro de nós.”

 

Anote na agenda

Exposição #Ocupasacy

Onde: Sesc Interlagos (av. Manuel Alves Soares, 1.100, Parque Colonial, São Paulo)

Quando: de 14/4 a 2/9, de quarta a domingo, das 10h às 17h

Quanto: grátis

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