Famílias nada tradicionais

 

Que os modelos de família mudaram nas últimas décadas todos podemos perceber. É cada vez mais comum laços afetivos entre casais homoafetivos, mães solteiras que criam seus filhos sozinhas, crianças que crescem sob os cuidados dos avós, pais separados ou até mesmo tios que cuidam de sobrinhos, entre muitas outras configurações.

Ilustração Marcelo Tolentino

Essa desconstrução do que seria um “modelo tradicional” de família, constituído por pai, mãe e filhos, gera pesquisas e reflexões sobre o que quer dizer família, palavra cada vez mais em discussão. O projeto Manual da Família, por exemplo, tem feito pesquisas com famílias de alta e média vulnerabilidades sociais, e procurado entender como as formulações existentes hoje podem ajudar no desenvolvimento pessoal de cada membro. A proposta é promover transformação social a partir do ambiente familiar.

Foi constatado que, apesar do nome do projeto, não há um manual possível. Cada família é um aprendizado único. Ela ganha um valor muito maior que um modelo antigo a ser seguido, passa a ser um espaço de “disponibilidade e abertura emocional”. Como diz o manual, em um texto descontraído e escrito a partir de conversas e relatos, a família é “o nosso refúgio”.

Os modelos de família desenvolvidos nos últimos anos refletem aquilo que somos, a complexidade de quem tem a liberdade do direito ao divórcio, da possibilidade de um relacionamento homoafetivo, do acesso à internet. Nesse contexto, o manual traz uma definição simples e abrangente de família: é um grupo de pessoas unidas pelo afeto. E sugere uma série de atividades lúdicas que ajudam a reconectar os integrantes da família – criar um álbum, a árvore familiar, um quadro para dividir tarefas diárias...

Uma questão abordada no manual é a importância do vínculo, em tempos em que o desafio é romper com a mecanização das relações. Karina Saccomanno, diretora do projeto Manual da Família, fala de adultos responsáveis que fazem de tudo pelos filhos, mas que nunca brincaram com eles. “Recebi uma pessoa aqui que falou: ‘Nossa, eu levo o meu filho pra um monte e lugar, eu conto história, mas hoje eu estou me divertindo com ele. Ele nunca teve isso’”, lembra. “O filho ver o pai pulando corda e se divertindo é um vínculo que vai para uma outra esfera, e isso está faltando. A ideia do manual é sempre ir além, mais profundo no sentido de vínculo.”

Assim, há sugestões de atividades como narração de histórias comuns a diversas gerações e a realização de jogos e brincadeiras tradicionais, por exemplo, ações que aproximam crianças, adultos e idosos, ajudando no desenvolvimento pessoal de cada um. E a partir e perguntas simples, convida as famílias a pensarem sobre seus cotidianos: “Qual é o dia da sua família? O que vocês gostam de fazer juntos? Do que vocês sentem falta para aproveitar ainda mais estes encontros?”.

O tema da autoridade nas famílias contemporâneas, que se mostra cada vez mais fluida na era da comunicação e da informação instantâneas, também é tratado no manual. Hoje, torna-se cada vez mais rara a figura do “papai-sabe-tudo”, os filhos têm maior acesso a dados e podem confrontar os responsáveis pela sua educação. As relações são também mais horizontais, uma vez que as mulheres têm maior autonomia financeira. Têm maior poder e, consequentemente, mais voz em suas casas. No manual, relatos ilustram essas novas configurações familiares.

 

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