Diorama: entre a arte e a ciência, a chance de ilustrar histórias
Não é assim tão fácil explicar o que é um diorama. Presentes em museus, nas artes e também como hobby, os dioramas são a grosso modo representações tridimensionais de uma cena. Podem ser em tamanho real ou em miniatura, representando cenas reais ou imaginárias. E nos livros infantis rendem ilustrações belíssimas, com profundidade, complexidade…capazes de criar cenas elaboradas e ricas em detalhes.
Uma das autoras da atualidade que se destaca na ilustração de histórias infantis com dioramas é a sul-coreana Heena Baek, que já publicou no Brasil as obras Picolé de lua (Companhia das Letrinhas, 2023) e Balas Mágicas (Companhia das Letrinhas, 2022). A segunda ganhou em 2020 o prêmio ALMA (Astrid Lindgren Memorial Award), um dos mais importantes reconhecimentos da literatura infantil internacional.
A tridimensionalidade dos dioramas que ilustram Picolé de lua, de Heena Baek
Heena se formou em tecnologia educacional na Universidade das Mulheres de Ewha, na Coreia do Sul, e em animação no Instituto de Artes da Califórnia, nos Estados Unidos. Sua formação como animadora forneceu as ferramentas necessárias para aprimorar, como artista, algo que ela já fazia enquanto criança: criar histórias enquanto brincava com seus bonecos e desenhá-las. Em entrevista à plataforma canadense Owlkids, dedicada à educação e a produções editoriais para crianças, a autora revelou que criar uma história é a parte mais desafiadora de seu trabalho, mas que é também esse resgate de sua própria infância. “Os figurinos e cenários que eu crio, as fotos que eu tiro são como uma continuação das brincadeiras com casinhas de bonecas que eu amava como criança”. O processo de ilustração com dioramas lembra mesmo o brincar em uma casa de bonecas: construir uma estrutura, montar os cenários, dar formas aos personagens e pensar de que formas eles podem ocupar esse espaço.
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Entre arte e ciências: as origens do diorama e suas muitas aplicações
A etimologia de diorama está no grego: “di” que significa através e “orama”, que se refere àquilo que é visto, uma cena. Ou seja: poder ver através daquilo que se vê.
A palavra diorama foi usada pela primeira vez na França, em 1823, por Louis Jacques Mandé Daguerre (1787-1851) - sim, o mesmo físico, pintor e inventor que viria a desenvolver, anos mais tarde, o daguerreótipo, precursor da fotografia utilizado em grande escala. Daguerre instalou, com ajuda do pintor Charles-Marie Bouton, em um grande teatro de Paris com capacidade para receber cerca de 350 pessoas, uma pintura composta por múltiplas camadas de tecido que retratava uma paisagem campesina. Graças a múltiplos efeitos de luz e às sobreposições, a cena ia se transformando e ganhando uma profundidade realista durante um espetáculo que durava cerca de 15 minutos - e que Daguerre queria também levar para Londres.
No século 20, os dioramas começaram a ser incorporados também em museus de história natural, como forma de apresentar os espécimes em exibição de maneira mais contextualizada, inseridos em seus habitats, ou reproduzir cenas que retratam eventos históricos. Dessa forma, atendem a uma proposta educacional, mas também de entretenimento. Você deve se lembrar do filme Uma noite no museu, que se passa no American Natural History Museum, localizado em Nova York, às margens do Central Park. Na história, animais e personagens históricos retratados ganham vida quando o museu fecha as portas. No mundo real, a sensação que que se almeja provocar nos visitantes ao utilizar dioramas como recursos expositivos é justamente essa: de que os espécimes exibidos estão vivos. Os fundos são criados com fotografias e pinturas realistas - há um compromisso em fazer uma reprodução fidedigna, respeitando escalas reais e reproduzindo informações históricas/científicas. Por isso,as equipes envolvidas na concepção de dioramas em museus costumam ser multidiciplinares, incluindo artistas, taxidermistas, cientistas, entre outros.
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Os dioramas: ampliando possibilidades para o livro ilustrado
Já no universo das histórias, os dioramas estão liberados do compromisso com a realidade e podem ser uma ferramenta para materializar - literalmente - aquilo que a imaginação conceber. Em Zoo Zureta (Companhia das Letrinhas, 2010), Ionit Zilberman lançou mão do diorama para ilustrar os 30 poemas curtos reunidos na obra. Ela partiu de uma caixa de papelão, onde ia compondo os diferentes cenários e construindo os personagens, em um processo que durou cerca de três meses e demandou uma extensa lista de materiais. “Desde o papelão, usado para fazer o corpo dos animais, arame para fazer algumas pernas, lã para revestir, embalagens de comprimidos para fazer olhos e óculos, folhas secas, papel de seda, papéis estampados, conchas, casca de laranja seca, cascas de nozes, peças de relógio, tampinhas de garrafa, tecidos diversos, estopa e outros objetos, além de lápis de cor, tinta acrílica e pastel oleoso.Usei também cola quente para fazer as bases dos personagens para que fiquem em pé. talvez tenha sido essa a parte mais trabalhosa”, enumera a ilustradora.
Capa de Zoo zureta, de Fabrício Corsaleti, ilustrado por Ionit Zilberman
Mesmo sendo uma artista já experiente na produção de ilustração editorial, essa primeira experiência teve lá suas dificuldades na hora de transformar os desenhos esboçados no papel em objetos com profundidade, volume, materialidade. “A diferença é que a última etapa é tridimensional, mas na hora de criar os personagens é tudo bidimensional. Então, algumas adaptações foram feitas na hora de construir os animais”, reflete Ionit. Além de trazer uma nova dimensão aos personagens e cenários, para transformá-los em ilustrações, ainda é preciso um último passo: fotografá-los.
Em Zoo Zureta, as fotos foram feitas em um estúdio e trouxe novos desafios. “Inicialmente, as fotos perderam as sombras, que era um dos elementos mais importantes pra mim, para dar a sensação de profundidade e volume. Então houve todo um tratamento posterior da editora, fazendo ajustes para recriar as sombras artificialmente. isso foi um pouco frustrante pra mim e bastante trabalhoso. Se fosse hoje, talvez tivesse proposto refazermos as fotos para conseguirmos acertar a luz e, assim, termos sombras reais”, relembra.
Mais ou menos na mesma época, Ionit estava trabalhando em outro livro, Dentro deste livro moram dois crocodilos que ela fotografou junto com um amigo na mesa da casa dela. “O resultado ficou melhor, com mais volume, profundidade e sombras. Os erros fazem parte do processo e nos ensinam muito. Posso dizer que aprendi a trabalhar com tridimensionalidade experimentando e errando”, reflete.