As roupas que não eram minhas

 

Por Maria Amália Camargo

Quando criança, durante anos a fio, usei um penteado igual ao de uma boneca velha. Daquelas bonecas com a cara rabiscada de caneta esferográfica e com o cabelo cortado pela própria dona. Minha franja decolava testa afora e, nas laterais, o cabelo ficava dois dedos mais para baixo da orelha esquerda do que da orelha direita – ou vice-versa. Infelizmente não tenho mais essa ousadia de estilo. Seria interessante sair da mesmice e mudar um pouco o visual. Acho que vou pedir ao meu pai.

Era ele quem costumava aparar as pontas do meu cabelo. Eu subia na tampa da privada do banheiro e assim, entre umas espetadas e outras, em alguns minutos, estava com a cabeleira mais curta.

 

 

Além do cabelo, eu não dava a mínima importância para a roupa que vestia. Costumava usar as blusas, shorts e calças das minhas primas que, embora fossem poucos meses mais novas, eram maiores do que eu. Também usava as roupas que já não cabiam mais no meu irmão (olhem bem para a foto e reparem no jeans que estou usando: devia ser uns dois números maiores do que o meu tamanho real!). A vantagem de herdar roupas é que as peças vinham amaciadas, bem folgadas. E com as etiquetas cortadas! Ufa! Pode coisa mais chata do que roupa que pinica?

Nunca me preocupei com minha aparência até que um dia uma moça perguntou à minha mãe: “Meu Deus, o que fizeram com o cabelo deste menino?”. Aí descobri que existe coisa mais chata do que roupa que pinica. É gente enxerida, que adora dar palpite e não controla a língua.   

E falando em gente enxerida, eu e meu irmão não fizemos a menor cerimônia diante do casal apaixonado da foto. Lembro-me bem dessa viagem. Estávamos no Véu da Noiva, em Poços de Caldas: eu, meu irmão (o menino sonhador, de cabelo espetado) e meus pais. Férias de final de ano! Sempre nos hospedávamos em alguma colônia dos funcionários públicos. Fugíamos do calor de Santos – cidade no litoral paulista onde nasci – à procura de um lugar mais fresquinho. Eu adorava essas viagens porque naquela época fazia amigos com uma facilidade inacreditável. Mal chegávamos ao hotel e lá estava eu, correndo pelo hotel feito uma maluca, com todos os hóspedes mirins.   

Em 1985, duas crianças posarem ao lado de um casal, assim, tão à vontade, os dois como vieram ao mundo – sem nem uma folhinha de parreira! – não era problema. Não entendo como hoje, em pleno século XXI, existem pessoas que acham um escândalo ver gente – de pedra, pintada ou de verdade – pelada. Ainda mais em um museu ou em publicações de história da arte para crianças.  

Pode coisa mais chata do se preocupar com o que uns vestem ou deixam de vestir? O que teria acontecido para a nudez ser censurada nos livros e nas exposições? Bem, esse assunto fica para outra seção, lá no Caraminholas.

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Maria Amália Camargo nasceu em Santos, em 1977. É autora de diversos livros infantis. Pela Companhia das Letrinhas, publicou Minha vida é chata pra cachorro.

           

 

 

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