Almoço de família: Janaina Tokitaka coloca divórcio e diversidade à mesa

Almoço de família é tradição. Macarronada. Pizza. Churrasco. Sushi. Não importa. Cada casa tem suas receitas preferidas - que refletem muito de seus hábitos e culturas. Mas além das variações de cardápio, de casa para casa muda também quem se senta ao redor da mesa. E esse é o grande tema de Almoço de família, a nova obra de Janaina Tokitaka: a pluralidade de arranjos familiares possíveis e cada vez mais diversos.

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Iustração de Janaina Tokitaka para o livro "Almoço de família"

Maya pequenininha comendo brócolis com seu pai no livro Almoço de família, de Janaina Tokitaka

 

Em Almoço de família, acompanhamos o crescimento de Maya e as mudanças que seu núcleo familiar vivencia. A hora da refeição é o fio condutor da narrativa, que entrelaça diversas camadas. Ano após ano, vemos a protagonista crescendo de tamanho e mudando seus gostos, como nos revela a cada página seu “novo prato favorito”. As preferências de Maya vão, aos poucos, mostrando esse processo de amadurecimento - da criança pequena que se deliciava com brócolis à menina interessada em sabores picantes e cada vez mais complexos. Em paralelo, de forma natural e delicada, somos apresentados aos novos contornos de seu núcleo familiar, que vai se moldando pela separação dos pais, pela chegada de novos cônjuges e também de irmãos - de sangue ou não. 

Nas ilustrações vibrantes de Janaina, que além de escritora e ilustradora também é roteirista de televisão (Mila e o Multiverso, Clube da Anittinha e De volta aos 15) temos a impressão de que ao redor da mesa a vida flui suave, incorporando novos sabores, novas texturas, novos aromas - e sempre abrindo mais um lugar à mesa a todo mundo que quiser chegar. 

Capa do livro Almoço de família de Janaina Tokitaka

 

Sempre família: divórcio não é sinônimo de separação

A dedicatória do livro é para Rosa, filha da autora, e também para seu ex-marido. “Para mim, a separação é um ato de otimismo, é pensar que a vida pode ser melhor do que uma relação que não está funcionando bem”, afirma a autora. O livro transparece esse olhar positivo e esperançoso que não sentencia o fim de uma família, apenas uma reconfiguração - que muitas vezes abre espaço para mais pratos e novas receitas à mesa. Como define a própria autora: “é um jeito de desejar às famílias um futuro de relações ricas, plurais e saudáveis, onde um bom convívio é possível”.

Na entrevista abaixo, Janaina fala sobre suas inspirações para Almoço de família, sobre a passagem do tempo, reflete sobre como a literatura pode trazer novas referências e comenta sobre seus novos projetos – incluindo o lançamento de uma coleção de Contos de Fadas e um livro para adultos. Confira:

 

De onde surgiu a inspiração para o livro Almoço de família?

Janaina Tokitaka: Percebi que durante e depois da pandemia muitas famílias mudaram. Amigos se separaram, minha própria família passou por uma reconfiguração no período, os divórcios cresceram 17% no Brasil e também no mundo todo. Assim, quando falo de famílias que fogem do modelo tradicional, estou falando da realidade de muitas pessoas. As famílias não tradicionais existem, isso é fato: quando as obras para crianças omitem essas configurações, no fundo acabam comunicando que são realidades que não devem ser mostradas, menos desejáveis. Acho que isso gera uma sensação de inadequação, de não pertencimento que pode ser muito dolorosa para mães solo, famílias com pais divorciados e tantas outras.

 

Divórcio é um tema que sempre inspira delicadeza… Como falar sobre isso com as crianças? 

Entendo que o divórcio pode ser doloroso, mas minha opção com esse livro foi olhar para o outro lado que é a felicidade que uma separação pode trazer. De verdade, não é para ser Poliana (referência à obra de Eleanor H. Porter). Eu acredito mesmo que a separação é um ato de otimismo, é pensar que a vida pode ser melhor do que uma relação que não está funcionando bem. E que normalmente, por melhor intencionados que sejam os recortes, os livros infantis que falam sobre divórcio partem do pressuposto de que o tema é triste e espinhoso por natureza. Eu estou propondo com Almoço de família que a gente mude esse pressuposto - e se nós, como sociedade, e as crianças incluídas nisso, começarmos a pensar divórcio como uma mudança que pode trazer coisas muito boas para nossas vidas? Novas pessoas, novos sabores, novas relações, movimento… Eu acho mesmo que é possível e benéfico.

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Acha que é possível ter leveza ao abordar temas considerados “espinhosos” com os pequenos sem deixá-los superficiais?

Sim! As pessoas precisam de leveza. Com ela, conseguimos falar de tudo. Não acho que leveza seja falta de substância, mas uma engenharia inteligente, como as asas de uma libélula. Acredito em falar de temas sensíveis de maneira simbólica, lúdica, respeitosa com as emoções do leitor.  

 

Como os almoços em família podem contribuir para a construção de relações saudáveis?

Uma coisa que tentei deixar nas entrelinhas do livro é que todos os almoços são encontros felizes e afetuosos - amor pode vir de qualquer família, seja como ela esteja. O convívio entre elas é harmônico, os irmãos de Maya brincam juntos, e as duas famílias estão presentes para comemorar seu aniversário. Acho que é um jeito de desejar às famílias um futuro de relações ricas, plurais e saudáveis, onde um bom convívio é possível. 

 

No livro, vamos acompanhando Maya passando por diferentes fases… Essa perspectiva de crescimento reflete de alguma forma o amadurecimento da personagem em relação a essa nova configuração familiar e as mudanças que ela vivencia? 

É um livro que fala do tempo, das mudanças que a passagem do tempo traz. Quem me conhece sabe que eu gosto de metáforas com comida. No começo, Maya só gosta de brócolis. Conforme vai convivendo com outras pessoas e sua família muda e se amplia, seu paladar se amplia também. Aprende a gostar de sushi, de ovo, pizza, batata doce… De novo, a ideia é encarar a mudança como algo que pode ser bom. Eu sou ansiosa, e sei bem que é uma lição desafiadora. Esse livro é para os ansiosos como eu, que tem medo do desconhecido. É como se pudéssemos consultar algumas páginas à nossa frente e constatar que, no futuro, tudo pode ficar bem. 

MAya e sua mãe comendo sushi - ilustração do livro "Almoço de família", de Janaina Tokitaka

Maya mais crescida... comendo sushi com sua mãe

Sua produção fala muito sobre a questão de gênero. Por que é tão importante trazermos isso para o dia a dia das famílias e das crianças?

Ainda sobre esse assunto "boas mudanças que o passar do tempo traz", a transformação nos papéis de gênero é um bom exemplo dessas mudanças. Estamos aos poucos entendendo que não é mais necessário se encaixar em uma ideia muito limitada de como ser e agir. Acho que as histórias podem ajudar a validar essas várias maneiras de existir, e assim vamos ampliando esse vocabulário simbólico do que é possível ser dentro da identidade de gênero escolhida. Personagens ajudam a criar referências para as crianças e adolescentes e isso é algo bem poderoso e potencialmente transformador. 

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Você lança ainda em 2023 outros quatro títulos para a Coleção Canoa, um projeto da Companhia das Letrinhas que traz livros a preços mais acessíveis. Como foi participar dessa iniciativa?

Um dos meus posicionamentos mais fortes como autora é que é possível ser popular e manter a qualidade. Um dos meus objetivos de vida é que muita gente possa ter acesso a obras bem escritas e bem ilustradas. Trabalho com roteiro de animação e obras seriadas justamente para isso. Histórias são importantes na vida das pessoas. Muita gente trabalha o dia todo, estuda, equilibra três bicos ao mesmo tempo e ainda assim consegue encontrar tempo para seguir religiosamente uma série ou novela. Ter feito uma coleção de livros que cabe no bolso de um estudante ou trabalhador brasileiro com um tema que eu amo tanto, os contos de fada, foi um privilégio! Espero que eles encontrem muitos leitores por aí…

 

E para o futuro? O que mais está nos seus planos?

Estou escrevendo meu primeiro livro adulto, uma ficção científica, e devo lançar um podcast sobre contos de fada no segundo semestre. No audiovisual, estou escrevendo a história de duas brasileiras pioneiras em seus respectivos campos de atuação. Não posso dar mais detalhes por enquanto, mas são histórias poderosas e importantes!

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